Furto de fios elétricos é um crime grande demais para o governo local

Por não ter tempo a perder, os repórteres que fazem a cobertura dos rolos nas delegacias de polícia têm um texto simples, objetivo e elegante. Usando a linguagem deles. É uma tragédia anunciada o grande número de casos diários de furtos de fio de cobre das redes elétricas em todos os cantos do Brasil. Diariamente, os noticiários falam que o furto de fios deixa bairros populosos de cidades sem água potável, celular e energia elétrica. Isso significa que é real a possibilidade de um furto desses causar um grande acidente, com inúmeros mortos e feridos, em um aeroporto, rodovia, ferrovia ou um grande prédio. Esse crime é grande demais para ser resolvido pelas autoridades municipais e estaduais. É sobre isso que vamos conversar.

Antes de enfileirar os fatos, vou contar uma historinha. No final da década de 80, durante a de 90 e até os primeiros anos 2000, as cidades do interior dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste viviam uma epidemia de roubo de veículos, maquinários agrícolas e assaltos a fazendas praticados por quadrilhas acantonadas nos países vizinhos, em especial no Paraguai. O trabalho dos bandidos era facilitado pela diferença de legislação entre os países. Por exemplo, na época bastava entrar em uma prefeitura no Paraguai e dizer que era dono de um veículo para que um documento fosse emitido no seu nome. Lembro que estive em uma cidadezinha na região metropolitana de Assunção, capital do Paraguai, e consegui registrar o documento de um veículo em nome do então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 1991, houve a consolidação do acordo do Mercado Comum do Sul (Mercosul) entre Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Chile e Venezuela. A consolidação desse acordo dificultou a vida dos quadrilheiros, principalmente do pessoal ligado ao roubo de veículos. Por exemplo, nos dias atuais é impossível entrar em uma prefeitura paraguaia e legalizar um carro roubado no Brasil porque as informações sobre os veículos circulam entre os países do Mercosul. Além disso, o governo brasileiro e dos países vizinhos fizeram vários acordos na área policial que resultaram em imensas dificuldades para os bandidos nas fronteiras. Claro, a situação entre os países na área policial ainda não é a ideal. Mas melhorou muito.

Voltando a nossa história. O cobre é um dos metais mais valiosos no mundo devido o seu uso na transmissão de energia elétrica, nas indústrias de alta tecnologia, na fabricação de celulares e em imensa lista de produtos que fazem parte do nosso dia a dia. O cobre tirado dos fios furtados é colocado clandestinamente na indústria da reciclagem, hoje um ramo poderoso da economia nacional. O caminho que o cobre percorre até ser legalizado é muito semelhante ao do ouro retirado ilegalmente pelos garimpeiros da área indígena dos yanomami, na fronteira de Roraima com a Venezuela. A autoridade que tem mais experiência, equipamento e poder legal para atuar nessa área é a Policia Federal (PF). Prender o bandido que furta o fio e o dono do ferro-velho que atua como receptador não resolve o problema. É preciso “quebrar as pernas” dos compradores de cobre que legalizam o metal. Uma explicação para quem não é jornalista. Nas redações, “quebrar as pernas” era uma expressão usada nos tempos das máquinas de escrever no sentido de interromper uma situação. Olha, o problema do furto de fios elétricos é nacional. Portanto, quem tem que propor uma ação nacional, envolvendo prefeitos, governadores e governo federal, deve ser a União. Mais especificamente o Ministério da Justiça e Segurança Pública, do ministro Flávio Dino. Sem uma ação coordenada nacionalmente contra o furto de fios de cobre das redes de energia elétrica o problema vai crescer até causar uma grande tragédia. Podem anotar.

A imprensa tem um papel fundamental em ajudar a população a resolver esse grave problema. Claro, perante a enxurrada de crimes de todos os tamanhos e crueldade que caem na mesa dos delegados de polícia das cidades brasileiras, o furto de fios pode parecer insignificante. Mas não é, pelo potencial que tem de provocar uma grande tragédia. Aprendi exercendo a profissão de repórter nessas últimas quatro décadas que as autoridades não gostam de ser cobradas pelo que ainda não aconteceu. Também nós sabemos que o que não aconteceu é notícia de pé de página no jornal. Mas não significa que não seja notícia. Tenho lembrado que a realização no Brasil da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016, deixou como legado uma organização de compartilhamento de trabalho na área de segurança pública fantástica. Essa organização reuniu policiais de todos os cantos do país e serviços de inteligência das Forças Armadas, PF, polícias militares e civis. Não existem mais as estruturas físicas que reuniam esse pessoal. Mas existem as relações entre os policiais, o roteiro técnico de como se trabalha em conjunto e muitos equipamentos que foram incorporados às organizações policiais dos estados. Esse legado pode ser usado para ajudar a resolver a questão do furto de fios elétricos.

O bloco de anotações do repórter não é uma bola de cristal para prever o futuro. Mas ele tem uma série de informações que se forem cruzadas podem indicar o rumo que um acontecimento irá tomar. Tem sido assim desde a época que se escrevia uma reportagem molhando uma pena de galinha em um tinteiro. A história que contei sobre o caso dos furtos de fios é muito simples. Basta unir os pontos para ver que se nada for feito de maneira organizada entre os governos municipais, estaduais e federal vai dar um baita rolo. A eletricidade é fundamental para o funcionamento do mundo como o conhecemos. O resto é conversa fiada.

3 thoughts on “Furto de fios elétricos é um crime grande demais para o governo local

Deixe uma resposta