Em 2019, nós, repórteres, vamos repetir o erro que cometemos com o nosso leitor, no inicio deste ano, de não termos informado do potencial destrutivo que tinha a greve dos caminhoneiros? Além de não fazermos o nosso trabalho direito, nós, de maneira involuntária, ainda contribuímos para a consolidação da greve, provocando uma corrida aos postos de combustível, o que resultou em falta de gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha. O chamado “efeito manada”. Uma leitura atenta aos conteúdos dos noticiários sobre a movimentação da categoria nos dias que antecedem à posse do novo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), mostra que não aprendemos com o nosso erro. As lideranças do setor estão usando a mídia para divulgar fatos misturados com blefes, com o objetivo de mandar recados para os novos governantes e, principalmente, posicionarem-se como referências perante os novos governantes. E as redações não estão explicando para o leitor o que é blefe e o que é fato. Isso significa que continuamos sem fontes confiáveis entre os empresários do setor, as entidades e os caminhoneiros. A ausência dessas fontes foi um dos motivos do nosso fracasso.
Antes de seguir contando a história. Alerto a meus colegas repórteres, pauteiros e editores: o que escrevo não é opinativo. Mas fatos que consegui, conversando com donos de empresas, caminhoneiros, lideranças sindicais e, principalmente, com os “agitadores” – nome dado às pessoas que circulam entre a categoria para sentir o pulso e levar informações para consultorias e sindicalistas. A conversa que tive foi a seguinte: a greve de maio funcionou porque grandes, médias e pequenas empresas apoiaram. E o que uniu interesses tão conflitantes, como a concorrência entre os empresários e a desunião entre os caminhoneiros autônomos, foi a política implantada pelo então presidente da Petrobras (2016 a 2018), Pedro Parente, 65 anos. Até então, por décadas, a empresa subsidiou óleo diesel e gás de cozinha. Parente derrubou o subsídio e implantou uma nova política de preços, baseada nas variações do mercado internacional do petróleo. E implantou a nova política a sangue frio, sem negociar um prazo de ajuste do mercado para a nova realidade.
O sistema de preços implantado por Parente continua funcionando. E a greve dos caminhoneiros terminou porque houve um acordo, no qual foi criada uma tabela de preços para os fretes, de subsídio disfarçado para o óleo diesel. Na semana passada, a tabela foi colocada na ilegalidade pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. E 48 horas depois o ministro derrubou a própria decisão e ficou o dito pelo não dito. Mas é realmente a tabela o grande interesse da categoria? Vejamos. Se o superministro da economia do novo governo, Paulo Guedes, for coerente com a linha liberal que defende, o subsidio disfarçado do preço do óleo diesel tem os seus dias contados. Portanto, é o seguinte, segundo me falou um consultor de uma grande empresa de grãos que usa o serviço de transportadoras levar a sua mercadoria. A tabela nasceu morta porque é o mercado que regulamenta o preço do frente. O que interessa é o novo governo manter o preço acordado para o diesel. É isso que as empresas transportadoras estão falando para o Bolsonaro, usando as lideranças dos caminhoneiros autônomos. Aqui é o seguinte: na verdade, a maioria do que nós, repórteres, chamamos de autônomos é, na verdade, agregados de pequenas e médias empresas de transporte que trabalham no sistema de comissão por carga sem cobertura das leis trabalhistas.
Conversei com assessores de duas grandes empresas de transporte sobre o assunto. Por que é quase consenso nas redações que a maioria dos empresários apoiou a campanha de Bolsonaro. Lembro que, na época da greve, a presença dos cabos eleitorais do novo presidente foi grande. Inclusive foram produzidas reportagens de caminhoneiros indo até as portas de unidades do Exército, pedindo para os militares voltarem ao poder – em 1964, eles deram um golpe e governaram o país até 1985. Portanto, é lógico que os empresários não apoiem uma greve já nos primeiros meses do novo governo. Essa é a lógica na nossa cabeça de repórter. Mas ela não tem nada a ver com a realidade. O compromisso do empresário é com o u lucro dos seus negócios. É a lógica do capitalismo. Se a economia do país decolar, ou não, o preço do diesel segue sendo importante para a sobrevivência das empresas.
No lado dos trabalhadores, os caminhoneiros, nos meus 40 anos como repórter aprendi uma coisa sobre eles: a lida diária deles beira o trabalho escravo. Fiz esse relato em uma reportagem chamada Camicases do Asfalto. Assim como os presidiários só pesam em fugir para escapar do inferno que são as prisões brasileiras, os caminhoneiros têm a greve como palavra de ordem. É dentro desse emaranhado de interesses que nós, repórteres, temos que navegar para explicar ao nosso leitor o que vem por aí. Não é fácil entender como funciona e saber quem tem relevância para falar. Mas é para esse tipo de trabalho que somos treinados e o executamos diariamente nas redações. O novo governo é diferente de tudo o que já vimos em Brasília. Para começar que ele se comunica pelas redes sociais. Esse tipo de comunicação, dentro de um ambiente tenso como é uma greve de caminhoneiros, é como apagar fogo com gasolina. Vamos precisar de boas fontes para não publicarmos besteiras.
O jornalista esta a cada dia perguntando mais ao seu publico do que correndo atras das respostas que os leitores/ouvintes/teleespectadores esperam. Assim, perdem relevância a até utilidade entre os consumidores de informação, que na falta de informações, acabam recorrendo as notícias falsas disseminadas em grupos de Whatsapp.
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