Não é só por se tratar de verbas públicas. Mas também para assegurar o mínimo de igualdade na disputa eleitoral entre os candidatos é necessário que a imprensa mergulhe na contabilidade dos partidos políticos para saber quanto custa eleger um parlamentar (federal e estadual), um governador e o presidente da República. A conta é difícil de fazer. Mas não é impossível. Hoje os jornalistas tratam do assunto no atacado. Estamos discutindo o valor do Fundão Eleitoral, que inicialmente estava previsto ser de R$ 5,7 bilhões. O valor foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e hoje (23/08) os jornais abriram manchetes relatando que a quantia a ser proposta pelos partidos pode baixar para R$ 4 bilhões, em número redondos, pouco mais de 100% acima do valor de 2018, que foi R$ 1,7 bilhão. A informação que nós jornalistas precisamos aprofundar é como os partidos chegam ao valor necessário para eleger os seus candidatos.
Comecemos fazendo uma comparação entre as eleições dos anos 1990 com a atual. Vejamos: lá na década de 90, os serviços de internet ainda eram incipientes no Brasil, raros e caros, com poucos usuários que acessavam à rede através de linhas discadas. Hoje, eles são abundantes e os preços diminuíram enormemente, tornando-se acessíveis a uma grande parcela da população. Além disso, a internet chegou também ao celular (outra tecnologia ainda muito pouco disponível nos anos 90), onde o uso dos aplicativos como o WhatsApp facilitou a comunicação e diminui custos. Pergunta. Os partidos levam em conta a redução de custos que as novas tecnologias de comunicação trouxeram para as campanhas? Se algum colega sabe, ele ainda não publicou a matéria. Essas novas tecnologias reduziram os gastos nas gráficas, que era um dos gargalos financeiros dos candidatos. Lembro-me que nos anos 90 a realização dos showmícios dava um aspecto cinematográfico para a campanha, mas era caríssimo, custava muito dinheiro. A legislação eleitoral limitou bastante os showmícios. Há mais uma questão a se discutir. Qual é a diferença no custo da eleição de um candidato de primeira viagem para a reeleição de um antigo? Lembremos aqui que deputados e senadores que concorrem à reeleição têm verbas de seu gabinete destinadas a informar os eleitores sobre o seu trabalho parlamentar. E o tempo de propaganda gratuita que o partido tem à sua disposição nos meios de comunicação entra como no cálculo do custo do candidato?
Na ausência de informações precisas sobre como os partidos gastam o dinheiro com os seus candidatos, a imprensa fica operando na periferia do fato. Geralmente lembrando que o dinheiro seria melhor gasto com obras públicas, educação, saúde e por aí afora. Acho importante falar disso. Mas a nossa contribuição seria mais relevante se conseguíssemos informar ao leitor como os partidos calculam o custo da eleição dos seus candidatos. Lembro que em muitos lugares no Brasil ainda existe o “voto de cabresto”, aquele que o eleitor recebe um benefício, como o pagamento de uma dívida, para votar em determinado candidato. Por ter trabalhando em redação de 1979 até 2014 sei que esmiuçar o funcionamento da contabilidade de um partido político não é uma pauta que se cumpre em um dia. Requer tempo, paciência e muita perseverança. E que hoje, depois das demissões em massa que aconteceram nas redações, restou um repórter jovem, mal pago e que trabalha muito cumprindo até três pautas por dia. Portanto, sem condições de realizar uma matéria mais trabalhada. Por outro lado, o tempo que vivemos exige que se aprofunde o conhecimento do jornalista nas coisas que interessam ao leitor, como é o caso da contabilidade dos partidos, para assegurar a prática do bom jornalismo, essencial para a sobrevivência do nosso leitor.
Então, se precisamos fazer a matéria, mas não temos os meios para fazê-la, como vamos solucionar o problema. Como sempre fizemos. Usando as práticas do velho e bom jornalismo. Ora, a contabilidade do partido está na cabeça de quem lida com o assunto dentro da organização. Ele sabe das coisas. Sempre soube. Nós temos que começar a conversar com as pessoas que controlam a parte econômica do partido. Essa personagem pode nos explicar os custos reais da eleição de um novo deputado em relação à reeleição de um dos antigos. Claro que esse assunto geralmente é falado em “off”, um direito que nós jornalistas temos garantido pela Constituição. O importante é começarmos a rechear as nossas matérias de fatos que mostrem como as coisas funcionam. Sempre digo nas palestras que faço pelas redações dos jornais no interior do Brasil que a decisão em quem votar é do leitor. A de informá-lo sobre os fatos é uma obrigação nossa. Pelo andar da carruagem, a cobertura das eleições de 2022 não será para amador. Tem muita coisa envolvida e a proliferação de fake news promete infernizar a vida dos repórteres. Bem como a existência das “milícias virtuais”. Como se dizia nas redações dos tempos das máquinas de escrever quando a gente se metia na cobertura de um conflito acirrado: “Não vai ter prisioneiro”.