Não foi por ideologia, mas pelos empregos no governo, que PMs viraram bolsonaristas

A influência do Bolsonaro na greve da Polícia Militar do Ceará foi visível. Foto: Reprodução

Nas polícias militares do Brasil há uma prática que se incrustou nas corporações: o bico, que pode se descrever como trabalho extra. Poucos políticos no Brasil conhecem as particularidades das PMs tão bem como o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Capitão do Exército reformado, o presidente, durante os 30 anos que foi parlamentar (vereador e deputado federal pelo Rio), fez política entre as famílias dos policiais militares e das Forças Armadas. A parte visível dessa maneira de fazer política de Bolsonaro veio a público no envolvimento com o ex-capitão Adriano Nóbrega, do Batalhão de Operações Especiais do Rio do Janeiro, o Bope, do filme Tropa de Elite. Ele tinha ligações com a família Bolsonaro – há matérias na internet. Adriano foi expulso do Bope e virou miliciano e dirigente do Escritório do Crime, como foi apelidado o esquema de pistoleiros de aluguel que funciona nas favelas do Rio. Foi morto no ano passado, em um confronto com policiais no interior da Bahia. Outro caso é o PM reformado Fabrício Queiroz. Ele trabalhou no gabinete do então deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Queiroz era o responsável pela “rachadinha” – pegava parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. O episódio ficou conhecido como o “caso da rachadinha” – há matérias na internet.

A parte invisível do relacionamento entre Bolsonaro e as famílias de PMs foi por conta de uma máquina de assistencialismo que distribuiu empregos, favores e outros pequenos benefícios. Lembro que, com exceção de Brasília (DF), nas demais polícias militares do país os oficiais, graduados e soldados ganham um salário baixo, lidam com carência de equipamentos e treinamento. A maioria dos PMs precisa complementar a sua renda com o bico. Dentro dessa realidade, logo que o presidente assumiu o seu mandato e começou a contratar pessoal das Forças Armadas e das polícias militares para trabalhar na máquina administrativa federal, o número de bolsonaristas nos quartéis aumentou sensivelmente, a ponto de ganhar visibilidade, principalmente entre os PMs. Logo eles começaram a lutar para desalojar das entidades que os representam – substituem os sindicatos – as lideranças tradicionais. Na greve dos policiais militares no Ceará, ano passado, a radicalização foi o cartão de apresentação da influência do bolsonarismo na tropa. Na época conversei longamente com antigos líderes dos PMs nas entidades nacionais. Eles estavam assustados com a luta pelo poder dentro dos quartéis. Lembro que nos meses iniciais do governo Bolsonaro existia entre nós jornalistas uma avaliação de que havia uma identificação política ligando o presidente com os PMs. Aos poucos fomos concluindo que essa identificação tinha muito mais a ver com a possibilidade de conseguir um emprego para reforçar o salário do que outro motivo qualquer. O que se sabe é que existem 6 mil pessoas vindas das fileiras das Forças Armadas e das polícias militares trabalhando no governo federal.

Até agora os holofotes da imprensa sobre os militares que integram o governo têm focado no pessoal vindo das Forças Armadas, em especial os generais que ocupam ministérios. Com destaque para o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por conta da lambança que ele armou no combate à pandemia da Covid-19, e que está sendo investigada pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. Os policiais militares ocuparam o lugar dos generais depois que o coronel da PM de São Paulo Aleksander Toaldo Lacerda foi demitido do seu comando pelo governo paulista João Doria (PSDB-SP) por ter convocado os PMs paulistas para uma manifestação de apoio a Bolsonaro prevista para o Dia da Independência. E também por ter publicado desaforos contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A história das manifestações a favor do presidente da República e atos de repúdio aos ministros já estava nas manchetes dos jornais graças ao cantor sertanejo Sérgio Reis, que fez um vídeo prometendo fechar estradas e fazer outras esculhambações de apoio ao presidente. Depois do episódio de Doria, coronéis de polícias militares em outros Estados andaram falando sobre as manifestações do Dia da Independência. A presença de policiais militares em manifestações públicas preocupa muita gente no Brasil. Olha, uma coisa foram aqueles carros de combate e transporte de tropas da Marinha desfilando em Brasília para Bolsonaro assustar os parlamentares que estavam votando a volta do voto impresso, que foi derrotada. Outra coisa são PMs fazendo manifestações, porque são pessoas treinadas para correr atrás de bandido.

O assunto principal dos noticiários políticos hoje (26/08) continua sendo a história dos policiais militares bolsonaristas. Lembro que pela velocidade com que os fatos acontecem no governo Bolsonaro é bem possível que logo seja substituído por outro. Há dias que começamos com uma manchete pela manhã, trocamos por uma nova ao meio-dia e à noite noticiamos outra. Tal a capacidade de criar tumultos do presidente Bolsonaro. Ainda é cedo para avaliar se a história do Dia da Independência terá a presença maciça de policiais militares. Só saberemos no dia. Pelos vídeos e áudios que circulam nas redes alimentadas pelas milícias digitais bolsonaristas a ideia é fazer uma grande demonstração de força na cidade de São Paulo, capital do Estado governado por Doria, adversário de Bolsonaro. E uma em Brasília, para assustar os ministros do STF. Pode acontecer de tudo. Até a “montanha parir um rato”, expressão usada nas redações de jornais nos tempos das máquinas de escrever para dizer que era esperado um grande acontecimento e no final não aconteceu nada. Em todo caso, o avanço do bolsonarismo entre os policiais militares preocupa.

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