Não é exclusividade da imprensa brasileira. A americana também andou se atrapalhando com o governo do presidente Donald Trump, que se elegeu em 2016 espalhando fake news e se especializou em chutar as canelas dos jornalistas desde que pisou na Casa Branca. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se orgulha de ser uma cópia de Trump. Mas os Estados Unidos são uma coisa. E o Brasil é outra coisa, usando o linguajar popular. O presidente americano conseguiu baixar o desemprego no seu primeiro ano de governo. Bolsonaro, não. Mais uma coisa. Durante o governo do presidente Michel Temer (MDB-SP), a economia do país começava a apresentar os primeiros sinais de recuperação quando foi jogada de volta no buraco por uma greve de 10 dias dos caminhoneiros, em maio de 2018, que colocou o país de joelhos e causou um prejuízo de R$ 16 bilhões. Bolsonaro fazia campanha para disputar a Presidência da República e não só apoiou a greve como trabalhou para consolidá-la. Ele ganhou as eleições, sucedeu Temer e herdou o problema que ajudou a criar com a paralisação dos caminhoneiros: o desemprego.
Bolsonaro não foi o único candidato a trabalhar pela greve. Faz parte do jogo político, se praticado dentro da lei. Tanto que esse fato foi esquecido pela imprensa. O que faz parte dos conteúdos jornalísticos do passado do presidente é a questão do envolvimento da família Bolsonaro com a rachadinha – há matéria nos jornais – comandada pelo ex-policial militar Fabrício Queiroz, que foi assessor de Flávio, um dos filhos do presidente, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Queiroz liga a família à questão da rachadinha e aos milicianos que fazem parte do grupo apontado como responsável pela execução, em 2018, da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do seu motorista Anderson Gomes. Todas essas questões e outras do passado vão continuar preenchendo o conteúdo dos jornais. Mas só serão resolvidas nos dias seguintes ao final do mandato de Bolsonaro. Foi assim com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Temer. A questão atual do presidente é gritar que não há corrupção no seu governo enquanto um dos seus vice-líderes no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), é flagrado pela Polícia Federal com R$ 30 mil nas cuecas. Essa questão causa alguns arranhões na imagem pública do presidente. Mas ainda é cedo para afirmar qual é a profundidade desses arranhões.
Tudo isso que escrevi ocupa o conteúdo dos jornais a cada minuto do dia no Brasil. Faz parte da disputa política. Agora, o que não vem sendo tratado com veemência pela imprensa é o fato de Bolsonaro ter tornado política de governo o seu apoio e proteção a ministros que usam o dolo para causar danos ao país. Começamos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele está protegendo os garimpeiros que invadem áreas indígenas, os madeireiros clandestinos que colocam fogo na floresta e os grileiros de terras do governo. Além do imenso dano ao patrimônio ambiental brasileiro, ele está comprometendo a imagem do país e, com isso, criando um atrito com os compradores dos produtos brasileiros no exterior, especialmente do agronegócio. Só uma observação. Um dos segmentos mais importantes do agronegócio é o da criação de frangos e suínos, porque os produtores trabalham de maneira integrada com as agroindústrias. Se os consumidores estrangeiros boicotarem as carnes de frango e suína brasileiras, podem multiplicar por dois a atual taxa de desemprego.
A lista de ministros que fizeram ou estão fazendo coisas que impactarão no modo de vida dos brasileiros no futuro é grande. Vou citar mais três áreas: educação, atualmente a cargo do ministro Milton Ribeiro, que substituiu Abraham Weintraub; Saúde, que é comandada pelo general do Exército Eduardo Pazuello; e a Economia, dirigida por Paulo Guedes, um homem que faz muito barulho. Mas não consegue tirar a economia do atoleiro e sequer mostrar um plano mínimo de ação para o futuro. Aqui é o seguinte, meus colegas. A máquina de manipulação da verdade instalada no governo Bolsonaro usa as coisas do passado para atrair a nossa atenção. Não tem como não encher o noticiário com os rolos de Queiroz e outras figuras exóticas que gravitam ao redor do presidente. Não tem como. Mas o fato é que todas essas figuras irão embora com ele quando o mandato terminar. Porém, o que ele e seus ministros estão fazendo hoje vai ficar e deverá definir os rumos nos próximos anos em setores importantes do nosso cotidiano, como educação, saúde, meio ambiente e economia. O que estou dizendo não saiu da minha cabeça. Conversei com historiadores, economistas e educadores sobre o assunto. Foram eles que chamaram a minha atenção para a questão de que o foco principal da nossa cobertura deveria ser o que está sendo feito hoje e que definirá o caminho das coisas no futuro.
Manter o foco em uma cobertura é complicado devido à concorrência entre nós. Dos meus 40 e tantos anos de jornalismo, eu trabalhei 30 e poucos em redação. Portanto, sei como as coisas funcionam. Sei que escrever uma matéria não é redigir uma tese. Mas também sei que jamais nós jornalistas enfrentamos uma máquina tão bem montada e lubrificada de manipular a verdade como a que temos hoje. O jogo mudou. E estão usando as nossas falhas contra nós. Há uma coisa a nosso favor. Em nenhum outro governo se produziu tantos livros, estudos e documentos como no atual. Mensalmente, jornalistas estão lançando obras novas. Matérias investigativas produzidas por sites pipocam em todos os cantos. Isso me lembrou a época da imprensa alternativa, que surgiu durante a ditadura militar, quando a censura calou os grandes jornais. A maior parte da minha vida profissional estive envolvido em cobertura de conflitos nos sertões do Brasil. A parte boa era quando repórteres de todos os cantos do Brasil e muitos vindos do exterior se encontravam para jantar em um boteco de beira de estrada e se conversava sobre reportagem. Três coisas não lembro de ter se falado: o surgimento de um Bolsonaro, de Trump e da Covid-19. Quem poderia imaginar?
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