Se Bolsonaro boicotar a vacina chinesa, é real o risco de ruir o seu governo

As manifestações populares de 2013 podem se repetir? Foto: Arquivo pessoal

A questão é simples. O isolamento social adotado pelos brasileiros não foi em obediência a governadores, prefeitos e outras autoridades que seguiam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). As pessoas se trancaram em suas casas por medo de morrer infectadas pela Covid-19. Um vírus que se revelou de grande letalidade e, nos últimos oito meses, matou 150 mil brasileiros e mais de 1 milhão de pessoas ao redor do mundo. O isolamento foi adotado para dar tempo às autoridades de montarem a infraestrutura hospitalar. Já que não existia, e ainda não existe, um remédio eficaz contra a Covid-19. Todas as esperanças estão depositadas na descoberta de uma vacina, sendo que quatro delas estão em fase final de testes. A chinesa é uma delas. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez um acordo com a China e envolveu Instituto Butantam no desenvolvimento da vacina. Na segunda-feira (19/10), o ministro da Saúde, general de Exército Eduardo Pazuello, durante uma reunião virtual com 24 governadores, revelou que o governo federal estava fazendo um acordo com o Butantam, para o fornecimento da vacina chinesa. Ontem (21/10), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chutou o balde e desautorizou o ministro. Claro, Bolsonaro e Doria são adversários políticos. A vacina chinesa tem uma grande chance de ser a primeira a estar pronta para o uso.

Durante um ano e 10 meses tenho acompanhado o comportamento do presidente da República pelos noticiários, documentários, pesquisas acadêmicas e livros. Aliás, nunca se escreveu tantos livros sobre um presidente do Brasil. Além disso, tenho conversado muito com pessoas que fazem parte do governo federal. Somando a isso, tenho os meus 40 e poucos anos de profissão, focados na cobertura de conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Digo o seguinte: se o acordo com os chineses não tivesse sido feito por Doria, mas por um aliado do presidente; se não tivesse sido colocado na imagem do presidente o selo de negacionista em relação à Covid-19. Mesmo assim, ele seria contra o acordo. Por quê? Bolsonaro usa o medo das pessoas para governar. O medo somado à ansiedade pela vacina é um palco perfeito para o presidente brilhar. Ele tem feito isso a sua vida inteira e nós jornalistas o colocamos nas manchetes dos jornais. Foi assim que chegou a presidente. Só que agora o jogo mudou. E qual é o jogo?

O jogo é o do desespero na busca pela vacina. Depois de sete meses convivendo com o medo de ser a próxima vítima da Covid, os brasileiros estão exauridos pelo cansaço físico e mental. Os jornais não estão noticiando. Mas o número de pessoas com doenças causadas pelo estresse tem aumentado. Mais ainda: o número de suicídios tem crescido, principalmente nos estados do Sul do Brasil. Na segunda semana deste mês (sábado 10/10), a dentista Bárbara Machado Padilha, 32 anos, descrita pelos parentes e amigos como uma pessoa realizada na vida e sem problemas emocionais, desapareceu da sua casa em Tupanciretã, interior gaúcho, rodou 90 quilômetros no sentido sul até Santa Maria, onde foi encontrada morta quatro dias depois. O caso ainda está sendo investigado pela polícia. Mas a possibilidade de ser suicídio é grande. Não interessa a nacionalidade da vacina que for a primeira a aparecer, muito menos a ideologia dos governantes do país que a inventou. O importante é que ela funcione. É esse o desejo das pessoas com quem tenho conversado.

Como disse lá no lide do texto. A questão é simples. A decisão sobre o uso ou não da vacina deverá ser dada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é presidida pelo médico Antonio Barra. A pergunta que se faz. Bolsonaro vai pressionar o presidente da Anvisa? O médico disse que não aceita pressão e que a questão é técnica. Mas é de se perguntar: Bolsonaro colocaria alguém no seu governo que o desobedecesse? Os que desobedeceram foram mandados embora, como o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Uma coisa é certa. Nas próximas semanas a história da vacina deverá manter o presidente nas manchetes dos jornais. O bate-boca deverá ser entre ele, jornalistas e parlamentares. Aqui entra o trabalho do repórter que cobre o dia a dia dos jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas. Uma maneira de arejar a cobertura é ir perguntar para as pessoas comuns o que elas acham da situação. Antigamente chamávamos de “fala povo”. Hoje eu não sei. Mas sei de uma coisa. Em 2013, eu trabalhava em redação e lembro que os grandes jornais, rádios e redes de TV do Brasil foram surpreendidas pela abrangência do movimento que entrou para a história como “Manifestações dos 20 Centavos”, devido a um aumento que aconteceria nas tarifas de ônibus urbanos. Li várias pesquisas sobre como tudo começou. Ainda não existe uma informação definitiva. O fato é que quem começou perdeu o controle e a coisa toda virou um “grande rolo”. Considerando os fatos que cercam a questão, a história da vacina tem potencial para se tornar um rastilho em barril de pólvora.

A começar que o ministro da Saúde, que é general da ativa do Exército, foi esculhambado pelo presidente publicamente. Pazuello vai precisar se decidir: se engole o sapo ou deixa o cargo e volta para a caserna.  Hoje (22/10), ele decidiu engolir o sapo.  Como isso repercutirá entre os outros generais que ocupam postos-chave no governo? Usando um linguajar popular: vão enviar o rabo entre as pernas e calarem a boca? Como o povo diz: “Bolsonaro tá cutucando a onça com vara curta”. É por aí, colegas.

Deixe uma resposta