Não tem como usar meias-palavras. O Brasil perfila-se entre os grandes produtores e exportadores de ouro (81,5 t/ano), diamantes (250/quilates/ano) e madeiras nobres (milhares de tábuas e toras) da Selva Amazônica. Uma boa parte dessa produção é ilegal. E obtida à custa do sangue dos índios dizimados pelos garimpeiros e dos saqueadores da floresta. Não estou afirmando por ter lido em algum lugar ou ouvido falar. Nas últimas duas décadas fiz reportagens nas áreas de garimpos e de derrubadas de matas no Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Amazonas.
À medida que as empresas de comunicação do Brasil e do mundo foram encolhendo devido a problemas econômicos, o número de repórteres envolvidos na cobertura da região amazônica foi diminuindo, já que demanda viagens caríssimas, com custos elevados na logística de movimentação da equipe por um território imenso – aluguel de barcos e pequenos aviões, guias e outras despesas. Por ser área de conflitos, são reportagens extremamente arriscadas. O que significa seguro de vida para a equipe com preço altíssimo.
Agora piorou ainda mais para o lado do repórter porque o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) detonou os órgãos federais que cuidam da região, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). E também perseguiu e afugentou várias organizações não governamentais que atuavam na área. Ou seja: ou o repórter tem fontes locais ou está em mato sem cachorro, como se descreve no interior do Rio Grande do Sul a pessoa que não tem a quem recorrer. Existem na região empresas que exploram ouro, diamantes e madeiras nobres dentro das regras ambientais. Eu fiz reportagens com elas. Mas a grande maioria é ilegal. Por quê? Existe um mercado clandestino muito bem organizado que funciona há muitos anos ao redor do mundo para essas mercadorias.
Nas últimas eleições presidenciais, os garimpeiros e saqueadores da Floresta Amazônica apostaram em Bolsonaro. Mas não foi por questões ideológicas. Foi pelos seus interesses comerciais. Aliás, o mesmo motivo pelo qual, em 1989, apostaram em Fernando Collor de Mello, que venceu Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da disputa pela Presidência da República. Eles puderam trabalhar tranquilos durante os seis primeiros meses do governo Collor. Tempo que foi necessário para o então ministro do Meio Ambiente, José Lutzenberger, tomar pé da situação, mandar fechar todos os garimpos e cair de pau sobre os derrubadores da Amazônia. Falecido em 2002, Lutzenberger era gaúcho, agrônomo, e um dos mais radicais defensores do meio ambiente. Tinha um bom argumento para pressionar Collor. Os ambientalistas ao redor do mundo, incluindo importantes bancos, exigiam o fim dos exploradores ilegais da Amazônia, porque um deles tinha sido responsável pelo assassinato, em 1988, do líder dos seringueiros Chico Mendes, em Xapuri, no Acre.
Podem ver as estatísticas, colegas repórteres. Aconteceu com todos os presidentes que tomaram posse nos últimos anos. Os saqueadores e financiadores dos garimpos clandestinos da Amazônia se aproveitam do tempo que os responsáveis pelo meio ambiente levam para tomar pé da situação para encher os bolsos. Por uma série de fatores, o tempo que os ilegais estão tendo para ganhar dinheiro no governo de Jair Bolsonaro está se prolongando. Mas o cerco começou a se fechar ao redor do presidente. Os fundos de pensão, que somam alguns bilhões de dólares para investimento, já colocaram as cartas na mesa exigindo que pare a destruição da floresta e pedindo a cabeça do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma figura patética, na opinião dos ecologistas. Mais ainda: os compradores dos produtos brasileiros também estão chutando o balde e ameaçando o agronegócio, um dos esteios da economia nacional.
Os saqueadores da Floresta Amazônica e os garimpeiros sabem que correm contra o tempo. E estão trabalhando a todo vapor para retirar o máximo possível enquanto dá. Na semana passada, eu liguei para uma fonte que tenho em Espigão D’Oeste, uma pequena cidade de Rondônia povoada por gaúchos, a poucos quilômetros da Reserva Indígena Roosevelt, dos índios cinta larga. A área é grande produtora de diamantes. Os índios chamam os garimpos de “grota”. A cidade está sempre cheia de compradores ilegais de diamantes. “O comércio de diamantes está a todo vapor”, contou-me a minha fonte. Em 2004, o lugar virou notícia internacional. Na época, 23 índios mataram 29 garimpeiros em uma disputa dentro de um garimpo. Também falei com pessoas envolvidas com diamantes em Abaeté (MG). Conversei com conhecidos em Bela Vista (RR) que financiam garimpeiros nas terras indígenas. Um deles me chamou a atenção para o seguinte. A crise provocada pela pandemia de Covid-19 valorizou o ouro nos mercados internacionais. Na opinião dele esse é um dos motivos do grande fluxo de garimpeiros para as reservas indígenas da região – há relatos de lideranças indígenas sobre o assunto disponíveis na internet. Também falei com o pessoal envolvido com o comércio ilegal de madeiras nobres. Nos últimos 10 anos, eles conseguiram consolidar um esquema de venda para comerciantes na Ásia. “Os negócios estão indo bem”, afirmou.
Todos essas fontes em regiões de conflitos fiz na época que trabalhei na cobertura de episódios que entraram para a história, como a matança de índios ianomâmi, na fronteira da Venezuela com Roraima (1993), o massacre dos garimpeiros pelos cintas largas (2004), os garimpos de diamantes em Minas Gerais (2010) e a questão das ocupações das fronteiras agrícolas pelos agricultores gaúchos e seus descendentes (1996, 2011 e 2019). De 1984 até 2019, pelos menos de dois em dois anos ando por essas regiões de busca de histórias para contar. Na semana passada recebi uma ligação de um amigo e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Conversamos longamente sobre a questão dos incêndios das matas, garimpos e outros problemas ligados à devastação ambiental.
O professor lembrou a história dos diamantes de sangue. A expressão foi cunhada nos anos 90 para designar os diamantes extraídos por mão de obra escrava na África e vendidos para financiar a compra de armas por grupos. Nos anos 2000, fiz uma série de reportagens sobre os diamantes de sangue do Brasil. Dezenas de índios, garimpeiros e outras pessoas morrem todos os anos em consequência da extração ilegal de ouro e diamante. Como também pela derrubada ilegal da Selva Amazônica. Há centenas de relatos nessas regiões de desaparecimentos e mortes que nunca chegaram aos noticiários. Eu sei porque estive lá. Claro, não há uma guerra no Brasil. Mas dezenas de pessoas são mortas, por vários motivos, nos garimpos e nos saques à Floresta Amazônica. O custo em vidas, destruição da natureza e outros danos causados pela exploração ilegal dos minérios e das matas são incalculáveis. E hoje são uma marca registrada do governo do presidente Bolsonaro. Aliás, ele prometeu durante a campanha facilitar a vida dos garimpeiros e madeireiros. Cumpre o que prometeu. É simples assim.
Muito bom, Wagner. Tua longa experiência em campo, por estes imensos interiores do Brasil, te torna uma testemunha qualificada, e com condições de acrescentar e desmascarar a destruição da natureza e da vida indígena – sempre negadas pelo atual desgoverno, Importante o teu depoimento. Abraço!
Obrigado, meu jovem