Por ser uma situação absurda vai fazer parte da história da pandemia no Brasil. No momento atual, quando mais de 3 mil brasileiros morrem diariamente vítimas da Covid-19, já somando mais de 360 mil mortos no total, algo nunca visto na história do país, com a rede hospitalar pública e privada à beira do colapso, com carência de insumos como o kit de entubação, com escassez de oxigênio hospitalar em várias cidades brasileiras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua insistindo no uso de drogas como a cloroquina e a ivermectina, consideradas sem efeito no combate ao coronavírus. Seguidamente, os efeitos colaterais dessas drogas acabam contribuindo para a morte de pacientes e viram assunto nos noticiários. Só há uma explicação. O interesse do governo é desviar o assunto, causando confusão. A vacina é a solução do problema. E devido à lambança em que se transformou o Ministério da Saúde, a vacinação da população acontece à conta-gotas. Liguei para várias entidades médicas fazendo uma simples pergunta: “Se essas drogas não têm efeito contra o vírus e ainda podem causar danos colaterais, o que os médicos estão fazendo no meio dessa confusão?” É sobre isso que vamos conversar, principalmente com os repórteres que fazem a cobertura do dia a dia e estão na correria das redações. Vamos aos fatos.
Mas antes uma lembrança das cascas de banana que existem nessa questão. Há dois atoleiros que devemos evitar. O primeiro é sobre a opção política dos médicos de se perfilarem ao lado de Bolsonaro. É um direito garantido pela Constituição eles apoiarem quem bem entendem na disputa política. O segundo atoleiro é sobre a eficiência dos tratamentos com cloroquina e seus efeitos colaterais. Isso é entre os médicos, os seus pacientes e familiares e os advogados. Por quê? Quando tudo isso passar, as ações de reparação de danos criminais e outros tipos de demandas na Justiça vão cair no colo dos médicos. Pelo que entendi na conversa que tive com as entidades (de classe, governamentais e outras reguladoras) não há um consenso entre elas sobre a eficiência desse tipo de tratamento. Mas todas com que falei comentaram que, para cada tipo de tratamento, existem normas que devem ser seguidas pelo médico. Vamos ao que interessa. O que vou escrever não é opinião. São fatos que já publicamos. O presidente da República tornou o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19 em política de governo. O que resultou dessa atitude? Uma inacreditável rotatividade de ministros da Saúde. O atual, o médico Marcelo Queiroga, é o quarto em pouco mais de dois anos de governo. A compra de vacinas contra a Covid pelo governo federal se transformou em uma novela mexicana. No início do ano, enquanto dezenas de pessoas morriam asfixiadas sem oxigênio nos hospitais de Manaus (AM) e no interior do Pará, o então ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, distribuía o kit Covid – formado por cloroquina e outras drogas sem efeito contra o vírus – entre a população.
É aqui que os “médicos do Bolsonaro” entram na história. O trabalho deles está sendo usado pela máquina de fake news do governo federal para convencer a população de que a solução são os kits Covid. O resto, vacinas, distanciamento social e leitos hospitalares, são coisas inventadas pelos inimigos do governo. Por que o presidente insiste no negacionismo? Simples. É o que o mantém no poder. A CPI da Covid-19 aberta no Senado vai esmiuçar esse assunto. Vejam bem. O governo é formado por vários grupos políticos, como terraplanistas, ocultistas, nazistas, os “Generais do Bolsonaro” (como são chamados os 6 mil militares empregados na máquina administrativa federal), neoliberais, Centrão (parlamentares que dão sustentação para o governo na Câmara e no Senado), os “Médicos do Bolsonaro” (que se encarregam de distribuir entre a categoria o saber sobre drogas milagrosas), o Gabinete do Ódio (formado pelo círculo de pessoas ao redor do presidente, entre elas os seus três filhos parlamentares) e oportunistas de todos os calibres. No caos sanitário que os brasileiros estão vivendo, a figura do médico assume uma importância altíssima. Portanto, quando um deles prega “curas milagrosas”, as suas palavras correm entre as classes populares mais rápidas que fogo em palha seca. Daí o interesse dos senadores em saber como esse pessoal opera dentro do governo. Tenho conversado muito com os meus velhos colegas, os jovens e os estudantes de jornalismo sobre o quadro político do Brasil. O que nós temos não tem nada a ver com a disputa política entre esquerda, direita e centro. É uma outra realidade que apareceu nos Estados Unidos durante a campanha presidencial de Donald Trump (republicano) em 2016, que se elegeu graças a uma aliança formada pelo seu estrategista Stefan Bannon entre grupos políticos exóticos (terraplanistas e ocultistas) e outros extremamente perigosos (nazistas e Ku Klux Klan). Trump os uniu com propostas malucas como a construção de um muro na fronteira com o México pago pelos mexicanos. A alma desse sistema que elegeu Trump é uma bem montada e lubrificada máquina de fake news.
Bolsonaro seguiu na mesma trilha de Trump. No ano passado, o presidente dos Estados Unidos concorreu à reeleição e foi derrotado pelo democrata Joe Biden. Para entender personagens tipo Trump e Bolsonaro é necessário estudar a história da Alemanha nos anos 30, quando surgiu o nazismo, que levou o mundo à Segunda Guerra Mundial e todo o horror que é conhecido. Considero fundamental para os jornalistas lerem os depoimentos dados pelos líderes nazistas e os colaboradores do regime (empresários, médicos, artistas e outros) durante o Julgamento de Nuremberg. Esse julgamento foi organizado pelos Aliados para punir e também entender o que tinha acontecido na Alemanha. Há vários documentários sobre o julgamento. Arrematando a nossa conversa. Há mais de 360 mil mortos, 3 mil ainda morrem por dia, colapso hospitalar, falta de vacinas, economia em pedaços e o país à beira de um ataque de nervos. Bolsonaro e seus seguidores não vão sair do governo, bater a porta e ir embora como se nada tivesse acontecido. Não é assim que funciona. Seja lá qual for o resultado da CPI, ela é o início de uma prestação de contas. Podem anotar.