Interesse mundial é pelo petróleo da Venezuela e não pelo destino de Maduro

Presidente venezuelano só corre para o lado de Lula quando está em apuros Foto: Reprodução

Confesso que, na ocasião, não tinha entendido direito o que estava exatamente acontecendo. No dia 28 de maio de 2023, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 61 anos, desembarcou em Brasília (DF) e foi recebido com tapete vermelho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos. Na época, Lula ainda engatinhava para consolidar o seu terceiro mandato no governo. Quatro meses antes, em 8 de janeiro, os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 61 anos, invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso. A ideia dos manifestantes era criar um tumulto no país que colaborasse para a volta ao poder de Bolsonaro e dos militares. Em torno de 6 mil militares, de todas as patentes, incluindo 12 generais, haviam participado da administração federal no governo Bolsonaro. A tentativa de golpe não deu certo por vários motivos, um deles porque as Forças Armadas não aderiram – há matérias na internet. Em maio de 2023, quando Maduro chegou a Brasília, a administração Lula ainda estava juntando os cacos da destruição causada pelos bolsonaristas. Na ocasião, lembrei-me que um dos passatempos de Bolsonaro e do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, 74 anos, era lembrar que os governos do PT tinham emprestado para a Venezuela em torno de U$ 1,5 bilhão. E que o empréstimo não tinha sido pago. Vendo Maduro caminhando no tapete vermelho, eu pensei: ele foi a Brasília anunciar que está quitando o empréstimo para fechar a boca dos bolsonaristas. Durante a visita, o presidente venezuelano foi perguntado, por um repórter, sobre o empréstimo. “Não tenho dinheiro para pagar”, respondeu, com um sorrisinho nos lábios.

Maduro chegou a Brasília em 28 de maio. No dia seguinte, uma segunda-feira, participou de uma reunião com Lula. E no dia 30 de um encontro com a cúpula dos líderes da América do Sul, que reuniu 11 presidentes. Se ele não veio ao Brasil para pagar o empréstimo, por que teve a reunião com Lula? Como tantos outros repórteres cascudos da minha geração, tenho 73 anos, nestas ocasiões, quando não preciso escrever a matéria e enviá-la para a redação para ser publicada na próxima edição, costumo deixar o tempo passar, apostando que as respostas vão aparecer. Calculei que a resposta surgiria na fronteira entre os dois países. Maduro ia dar uma mão para Lula na região, onde a barra estava pesada. Na época, o governo brasileiro estava com um enorme problema na fronteira, especial na reserva indígena yanomami, que se estende por uma área de 9,6 milhões de hectares do território brasileiro, onde vivem em torno de 30 mil índios. Durante o governo do ex-presidente Bolsonaro (2019 a 2022), as leis de proteção aos povos originários e ao meio ambiente, em especial a Floresta Amazônica, foram flexibilizadas pelas autoridades federais, facilitando a invasão dos garimpeiros nas reservas indígenas. Na área yanomami, em consequência dos garimpos ilegais, houve uma devastação ambiental que trouxe a fome e doenças para os índios. Toda essa situação resultou nas imagens dos yanomami reduzidos a pele e osso que percorreram o mundo. Quando as policiais (civil, militar e federal) cercaram a área dos garimpos, apoiadas por tropas do Exército e caças Tucano, da Força Aérea Brasileira (FAB), a maioria dos financiadores dos garimpeiros fugiu para a Venezuela. Maduro ajudou a capturá-los? Não. Muito pelo contrário, ele não mexeu uma palha. Em 1993, houve um massacre de 12 índios por garimpeiros na aldeia yanomami de Haximu, na fronteira da Venezuela com o Brasil. Estive na região fazendo reportagens e lembro-me que houve colaboração entre as autoridades dos dois países. Na época, o presidente Venezuela era Rafael Caldeira (1994 a 1999).

Citei estes casos para demonstrar que Maduro não está nem aí para o Brasil. E que só corre em busca de ajuda quando está em uma enrascada. Sobre o momento atual de Maduro, lembro que ele havia prometido eleições limpas e que quem ganhasse assumiria. O presidente Lula foi o fiador dessa promessa. Nas eleições presidenciais de 26 de julho, Maduro concorreu à reeleição contra Edmundo Gonzáles, 74 anos. Foi declarado vencedor sem apresentar as atas que comprovam a votação. Gonzáles disse que eleição foi fraudada e vários países, entre eles o Chile e a Argentina, não reconheceram a eleição de Maduro. Brasil, México e Colômbia estão esperando as atas para decidir sobre a veracidade da disputa. Na quarta-feira (7), a coordenadora da oposição, a ex-deputada Maria Corina Machado, 56 anos, foi presa em sua casa pelo serviço secreto das Forças Armadas. A prisão foi transmitida ao vivo. Até agora, 2.229 pessoas foram presas e 20, mortas. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), 81 anos, ligou para Lula e conversaram sobre o caso venezuelano. Pouca coisa vazou na imprensa sobre a conversa, a maioria “abobrinhas”, jargão usado nas redações para descrever fatos sem importância. Vejam bem. Se somar a experiência de Lula e Biden no exercício da política dá mais de um século. Frente a isso é de se perguntar: conversaram só sobre abobrinhas durante mais de meia hora? Claro que não, porque a situação do povo venezuelano é tensa e muito perigosa. Não vou dar uma de adivinho e enveredar pelo caminho das hipóteses. Prefiro enfileirar fatos que merecem a nossa atenção.

Vamos a eles. As reservas de petróleo venezuelanas são as maiores do mundo. Além de ter no seu solo vários outros minerais como ferro, bauxita e ouro. A soma desses fatos resulta no grande interesse que têm pelo país o presidente da China, Xi Jinping, 71 anos, e da Rússia, Vladimir Putin, 71 anos. Nos dias atuais, estes dois países fornecem para Maduro tecnologia, armas, equipamentos e tudo mais que for preciso. Os investimentos chineses em infraestrutura na Venezuela são significativos. Biden e os outros 31 chefes de governo dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) sabem que Maduro pode se acomodar com os parceiros russos e chineses. Todo esse rolo está sendo negociado por Brasil, Colômbia e México. Maduro está em uma situação muito tranquila: fraudou as eleições, colocou a polícia e as Forças Armadas nas ruas para reprimir as manifestações e prender a oposição. A história nos ensina que se não fossem as reservas de petróleo, ninguém, muito menos o governo do Brasil, se interessaria pelo destino do povo venezuelano e o de Maduro. É assim que são as coisas. O resto é apenas conversa.

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