Médicos seguidores do negacionismo de Bolsonaro voltam à disputa política

O relatório da CPI da Covid é muito importante para ser deixado em uma gaveta Foto: Reprodução

Em alguma gaveta de Brasília (DF) repousam as 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid). Lembrei-me do assunto na sexta-feira (09), quando foi destaque nos grandes jornais do Brasil a notícia de que dois dias antes (quarta-feira, 7) haviam se encerrado as eleições dos 54 titulares e suplentes do Conselho Federal de Medicina (CFM), tendo sido eleitos vários médicos em chapas formadas por profissionais comprometidos com as ideias do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que durante a pandemia transformou em política de governo o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus da Covid. Entre os eleitos mereceu destaque na imprensa a médica Rosylane Rocha, reeleita pelo Distrito Federal (DF), que em 8 de janeiro comemorou a tentativa de golpe de estado. Na ocasião, bolsonaristas quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, na esperança de criar um tumulto que abrisse caminho para a volta ao poder do ex-presidente, derrotado, em 2022, na sua tentativa de reeleição, pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.

A simpatia, defesa e divulgação que os médicos dessas chapas fazem das ideias de extrema direita de Bolsonaro é problema deles, aliás, é direito garantido pela Constituição – há abundante material sobre o assunto na internet. Antes uma explicação que julgo necessária compartilhar com os jovens repórteres que fazem o dia a dia nas redações. O CFM é uma autarquia presidida por José Hiran Gallo, que ocupa o cargo até 30 de setembro, quando termina o seu mandato. Foi fundada em 1951 e tem como função a normatização e a fiscalização do exercício profissional de maneira direta ou indireta através dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Voltando à conversa. O nosso interesse é com os crimes que foram praticados contra a saúde dos pacientes da Covid pelo negacionismo do ex-presidente da República. Como a insistência em receitar remédios sem efeito contra o vírus, como a cloroquina – há matérias na internet. E a recusa em seguir os procedimentos contra a pandemia recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), das Nações Unidas (ONU). Essa insistência resultou na morte de 700 mil brasileiros, como foi demonstrado no relatório da CPI, que se iniciou em 27 de abril de 2021 e durou até 26 de outubro, presidida pelo senador Omar Aziz, 65 anos (PSD-AM). Qual foi a responsabilidade nessas mortes dos médicos que seguiam e divulgavam as ideias negacionistas do então presidente da República? Tudo isso está detalhado no relatório final da CPI. Por que este documento não avançou e se transformou em processos na Justiça? Há várias explicações para que isso tenha acontecido. A principal delas é que a imprensa esqueceu o assunto e deixou de pressionar. E por entender ser fundamental colocar essa situação em pratos limpos para impedir que se repita no futuro, eu lembro do relatório sempre que tenho oportunidade. Em 23 de novembro de 2023 publiquei o texto O que fez o governo Lula com as denúncias do relatório da CPI da Covid? O que sabemos é que parte do documento está nas gavetas da Procuradoria-Geral da República (PGR). Outra, no Congresso e em algum lugar no Ministério da Saúde.

A volta à disputa política dos médicos seguidores de Bolsonaro é consequência de ainda não ter dado em nada o relatório final da CPI da Covid. Não vou especular para que lado vai essa questão. Mas vou alinhar alguns assuntos que merecem a atenção dos colegas repórteres. Nós temos dificuldade para tratar as questões envolvendo médicos. Tenho conversado muito sobre essa dificuldade com colegas de vários cantos do país que conheci fazendo cobertura de conflitos agrários. Em uma dessas conversas ouvi de um colega paulista uma avaliação que considerei relevante. Ele disse: “Nós tratamos os médicos como bandidos ou mocinhos. Não tem meio-termo”. Por quê? Uma das explicações é a que palavra “médico” em um título chama a atenção do leitor. Devido à valorização que este profissional tem dentro da nossa cultura. Os jornalistas precisam começar a discutir o assunto. O relato feito pelo colega merece atenção. Lembro que devido a relevância que os médicos têm nos assuntos de saúde sempre que um deles mistura nos seus diagnósticos as suas crenças políticas, religiosas e outras dá rolo. Imagine se um engenheiro civil misturasse o que a ciência da construção de prédios manda com as suas crenças políticas e resolvesse diminuir a quantidade de cimento que sustenta um prédio? A construção cairia e pessoas morreriam por causa da estupidez do engenheiro. No auge da pandemia, um médico, em Manaus (AM), resolveu moer a cloroquina, transformando-a em pó, acreditando a inalação seria mais eficiente no tratamento da Covid. Uma médica, no interior do Rio Grande do Sul, resolveu fazer a experiência. O resultado consta em um inquérito na Polícia Civil – há matérias nos jornais.

Finalizando a nossa conversa. Lembro que todas as fantasias que Bolsonaro criou sobre a Covid tiveram como objetivo enaltecer o seu capital político através da publicidade conseguida pelas manchetes dos jornais. Ele teve sucesso nessa empreitada. Porque se transformou, ao redor do mundo, em ícone contra a ciência. Foi bom para o prestígio político do ex-presidente. Mas ruim para os defensores da ciência. Recomendo aos colegas a leitura do relatório final da CPI da Covid, que se encontra disponível nas redes sociais. Ali está o resumo de um dos períodos mais complicados na história recente do Brasil.

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