Aqui e ali nas manifestações populares pelas ruas e avenidas no fim de semana (07/6) contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ouviu-se novamente duas palavras que haviam sido varridas do repertório político há mais de 35 anos: “fora militares”. Essas duas palavras foram muito populares nas manifestações até 1985, ano em que o Brasil foi redemocratizado com a queda do Regime Militar que tomou o poder com um golpe de estado em 1964. Li, vi e conversei com vários colegas repórteres que trabalharam na cobertura das manifestações e a conclusão a que chegamos é que a volta do “fora militares” não tem a ver com o fato de o presidente ser capitão da reserva do Exército. Muito menos com a sua eleição, que foi legítima. Mas com dois acontecimentos recentes: o vídeo da reunião do presidente com o seu ministério, que se tornou público por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e foi divulgado em 22 de maio. E o fato do general Eduardo Pazuello ocupar o cargo de ministro interino da Saúde. Vamos começar pelo contexto em que se desenrola essa história.
Exercendo um direito que o cargo lhe dá, o presidente da República resolveu buscar nas Forças Armadas e nas Policiais Militares oficiais e graduados na reserva e da ativa para ocuparem cargos no governo federal. Hoje, somam um contingente de 2,9 mil, sendo 12 generais. Vários artigos e pesquisas mostram que nem mesmo nos tempos do Regime Militar havia tantos ocupando cargos no governo. Oficialmente as Forças Armadas estão fora do governo. Mas no imaginário popular elas estão no governo. Bolsonaro sempre soube explorar politicamente muito bem essa questão. Em algumas ocasiões polêmicas, como da nomeação, em abril, para a direção da Polícia Federal (PF) do delegado Alexandre Ramagem, que foi suspensa pelo STF, ele disse que havia chegado ao seu limite com os ministros do Supremo e que tinha o apoio das Forças Armadas para fazer cumprir a Constituição. Foi desmentido pelos militares. Esse é o contexto. Vamos à história da ressurreição do “fora militares”.
Vamos começar por Pazuello. O Brasil, como o resto do mundo, está envolvido na guerra ao coronavírus, que até hoje (08/08) matou 36.505 pessoas e infectou 692.363, colocando o país no terceiro lugar no número de mortes. Os dois médicos que ocuparam o cargo de ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (demitido em abril) e Nelson Teich (pediu demissão em maio), saíram do governo por defenderem as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda o isolamento social, o fique em casa, como estratégia para conter a expansão do vírus, já que não há tratamento médico específico nem vacina. O isolamento busca dar tempo para organizar os sistemas de saúde. A OMS também afirma que a droga cloroquina não tem eficiência contra as doenças causadas pelo coronavírus e ainda tem efeito colaterais que podem matar. Pazuello levou 20 militares para ocuparem postos-chaves no Ministério da Saúde e cumpriu as ordens de Bolsonaro quanto ao uso da cloroquina e de boicote ao isolamento social decretado por prefeitos e governadores. E, por último, está dificultando o acesso da imprensa aos números oficiais de mortos e infectados pelo vírus. Aqui chamo a atenção dos meus colegas, especialmente dos jovens. No imaginário popular o general está fazendo o serviço sujo para o presidente. A situação é muito séria. Os noticiários das TVs estão mostrando as vítimas sendo enterradas em covas coletivas em Manaus (AM) e pessoas morrendo nos corredores dos hospitais do Rio de Janeiro por falta de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI).
O segundo fato que ressuscitou o “fora militares” foi o vídeo da reunião do presidente com os ministros. Eu vi o vídeo e conversei muito com políticos, militares e cientistas sociais. Por conta da crise sanitária, os brasileiros vivem um dos piores momentos na história recente do país: caixões com as vítimas nos noticiários das TVs, caos em vários hospitais e uma crise econômica vindo por aí a galope. Enquanto isso, o presidente e seus ministros discutem em uma reunião regada a palavrões e xingamentos pessoais absurdos – o vídeo pode ser visto na internet. E os militares presentes na reunião assistiram a tudo em silêncio. E pior: generais vieram a público justificar o absurdo que aconteceu no encontro. A maneira do presidente Bolsonaro governar o Brasil hoje é apontada ao redor do mundo como, no mínimo, absurda. Existia a crença popular de que os militares, principalmente os generais que fazem parte do governo, estavam ali para evitar o pior. Mas o pior está acontecendo. E por conta disso eles serão lembrados nas manifestações populares contra o governo Bolsonaro. É simples assim.