Uma conversa muito antiga que circula nas redações diz que o problema no fascismo é o guarda da esquina, que interpreta e executa ao seu modo as decisões dos líderes. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), elegeu o seu colega dos Estados Unidos Donald Trump (republicano) como seu grande líder. E seguiu os passos dele em vários assuntos, principalmente nos relacionados à Covid-19. Tal como Trump, Bolsonaro é negacionista. E usou todo o seu poder para sabotar quem acreditasse em contrário, incluindo dois de seus ministros da Saúde, os médicos Luiz Henrique Mandetta, demitido e substituído por Nelson Teich, que se demitiu. Eles seguiam as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e não as do presidente. Bolsonaro colocou como ministro da Saúde o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello,, que segue suas ordens. Trump também boicotou e demitiu médicos, cientistas e técnicos experimentados da área de saúde. Mas investiu na busca da cura da doença: vacinas. Bolsonaro fez vistas grossas para a vacina. Resultado: os americanos estão sendo vacinados e os brasileiros ainda não. O presidente do Brasil agiu em relação a Trump como o guarda da esquina que mencionei na abertura do texto.
Trump concorreu à reeleição e perdeu para Joe Biden (democrata), que assume no dia 20 de janeiro. Mas a vacinação dos americanos começou no seu governo, isso ninguém tira dele. Mesmo que, por conta do seu negacionismo, os Estados Unidos sejam o campeão no número de mortos pela Covid-19 no mundo. São 200 mil, quase quatro vezes mais que o número de soldados mortos na Guerra do Vietnã. O Brasil figura em segundo lugar no número de mortos pelo vírus, são 180 mil. E devido às confusões armadas pelo presidente na questão da vacina, os brasileiros estão assistindo não apenas os americanos serem vacinados. Mas também os britânicos e logo mais os canadenses e os chilenos. Enquanto isso, a população vive com a angústia de poder ser a próxima vítima da Covid-19. Como a história do caso da vacina vai terminar? Creio que saberemos nas próximas duas semanas. Enquanto isso seguem morrendo 900 brasileiros por dia. Aqui é o seguinte. Há uma questão que nós jornalistas precisamos refletir. Andei relendo vários conteúdos que publicamos nos jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas sobre os rolos armados pelo presidente na questão da Covid.
De tudo que reli me chamou a atenção que praticamente deixamos perdidos nos nossos textos o fato de que a lambança armada pelo presidente no Ministério da Saúde acabaria deixando o Brasil de fora da corrida da vacina. Lembro que o assunto da vacina começou a tomar corpo nos últimos quatro meses. Mesmo assim, o grosso das nossas matérias teve como foco a questão da disputa política nas eleições presidenciais em 2022. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), viu que o comportamento do presidente referente à vacina havia criado uma oportunidade para fortalecer a sua candidatura em 2022 e apostou na vacina chinesa. Bolsonaro, que vai concorrer a reeleição, apostou na vacina da Universidade de Oxford, no Reino Unido. O foco das nossas matérias vinha sendo a disputa política entre os dois. A imprensa só veio a se dar por conta de que os brasileiros ficariam para trás na vacinação quando os britânicos começaram a ser vacinados, na segunda semana do mês (dezembro/2020). A situação seria diferente se lá no meio do ano nós começássemos a bater na história de que as lambanças do presidente acabariam nos jogando na atual situação? Provavelmente sim. Mas aqui quero dizer aos meus colegas uma coisa, principalmente aos jovens repórteres que estão na correria das redações na cobertura do dia a dia. Até 2012, as redações do Brasil tinham um grande contingente de repórteres, editores e pessoal de apoio. Um assunto era debatido na reunião dos editores, depois entre os repórteres e, por último, na hora de baixar a matéria. Ou seja, tinha-se várias oportunidades de “virar a matéria” – transformar uma nota de pé de página na manchete do jornal. E o assunto continuava sendo discutido no boteco.
Isso hoje não existe mais porque as empresas demitiram em massa os jornalistas nos últimos anos. Essas demissões resultaram na fusão de redações de vários veículos (jornais, revistas, rádios e TVs), o que aumentou a carga de trabalho do repórter que hoje faz texto, foto, áudio e imagem. E, por consequência, diminui a qualidade das matérias. Por conta desse esvaziamento das redações começou a se concretizar uma rede de informações interessante e boa qualidade formada por sites, blogs especializados e outras plataformas de comunicação. Tudo leva a crer que no futuro acontecerá uma ligação entre essas redes com a imprensa de massa. No Brasil, os grandes veículos de comunicação ainda são as TVs abertas e as rádios. Dito isso, vamos arrematar a nossa conversa. Os quadros de dirigentes, técnicos e outros assessores do governo Bolsonaro, com raras exceções que cabem nos dedos de uma mão, são inexperientes e de baixa qualidade técnica. A administração federal está praticamente parada. A grande produção do governo é a confusão. Se tirar a confusão fora, não resta nada. Apenas um bando de gente correndo para todos os lados sem saber o que fazer. É por isso que nós estamos nesse atoleiro no caso das vacinas. Não é questão de falta de dinheiro, capacidade técnica instalada e rede de saúde pública e privada. É porque o governo Bolsonaro não sabe o que fazer. E fica inventando confusão para tirar o foco do que interessa. É por aí, colegas.