O “Bonde da Vacina” atropelou o presidente Bolsonaro

Por muitos anos o bonde foi o transporte urbano mais popular do Brasil. Foto: Reprodução.

O uso da palavra bonde no sentido de grupo de pessoas foi popularizado nas favelas cariocas e acabou se espalhando pelo Brasil por conta dos repórteres envolvidos na cobertura de confrontos entre policiais e bandidos. No início, bonde significava uma quadrilha de bandidos. Hoje é usado para descrever grupos de pessoas que reúnem para pressionar alguém a mudar de ideia. Conhecendo a maneira de operar do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a mudança de 180 graus na sua posição referente à vacina a contra  Covid passou a ideia de que ele foi visitado pelo “Bonde da Vacina”, pessoas do alto escalão do governo, parlamentares e até gente de oposição. Eles colocaram o presidente na real no caso da vacina: se ele continuasse tratando o assunto da maneira debochada que vinha fazendo, o país explodiria, porque ninguém suporta mais conviver com o sentimento de que pode ser a próxima vítima da Covid. Vários países ao redor do mundo, inclusive na América do Sul, ou já estão vacinando as populações ou se preparam para começar.

Enquanto isso, a população brasileira ainda não conhece a data em que começará a ser vacinada. E o Brasil, que tem um dos melhores sistema de vacinação do mundo, uma indústria farmacêutica desenvolvida e bons laboratórios públicos e privados, assiste perplexo a Bolsonaro fazer piadas sobre a vacina. E se envolver em uma briga política com o governador João Doria (PSDB-SP) pelo título de “pai da vacina”” – há matéria na internet. Na terça-feira, ele deu uma entrevista para José Luiz Datena, apresentador da Rede Bandeirantes, afirmando que jamais iria se vacinar. No dia seguinte, quarta-feira (16/12), reunido com governadores, anunciou ao Brasil que o governo federal vai comprar as vacinas e o seu ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, apresentou um cronograma de vacinação e afirmou que a “vacina do Doria” iria ser comprada. Ou seja. O governo federal deu um giro de 180 graus na sua posição. Claro que não se sabe o conteúdo da conversa entre o presidente e o Bonde da Vacina. Ou se algum colega sabe ainda não publicou (sexta-feira, 18/12). Mas o que aprendemos sobre o presidente nesses dois anos de governo nos permite fazer, com uma certa segurança, algumas afirmações. Seja lá o foi dito, o certo é que representa uma ameaça real ao mandato do presidente. Por quê? Simples. Ele só respeita a força. Por morar há muitos anos no Rio de Janeiro, ele conhece o significado do “Bonde”. Portanto, a conversa que tiveram com ele foi “pesada”.

Agora, por quanto tempo Bolsonaro vai falar sério sobre a vacina? Ninguém sabe, incluindo ele. Como? O presidente não planeja as suas ações. Ele age conforme a conjuntura no momento, tendo como seu norte a proteção da sua família. Esse é outro ensinamento que nós repórteres aprendemos sobre a maneira de agir do presidente. O quadro da pandemia no Brasil é muito sério. Depois de um período de baixa, o vírus voltou a atacar com tudo: já somam quase mil mortos por dia. Ao todo, mais de 180 mil brasileiros já morreram. Uma coisa é viver o dia a dia de uma situação dessas sabendo que a vacina está sendo aplicada. Outra é estar dentro de um inferno desses sem saber quando a vacina chegará. Enquanto outros países vacinam suas populações. Tenho lido os conteúdos mais importantes que temos publicado sobre o caso da vacina em jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas de comunicação. E não tenho encontrado nenhuma matéria consistente sobre o que está acontecendo no meio dos brasileiros com essa situação. Em 8 de dezembro publiquei o post “Brasileiros com os nervos à flor da pele esperam pela vacina contra a Covid-19”. Como já disse e vou repetir. As pessoas estão exaustas de viver assombradas com a ideia de que podem ser a próxima vítima do vírus. Não existe mais espaço para conversa mole, como se fala nas redações. Creio que foi essa situação que o “Bonde” conversou com Bolsonaro. Claro que os serviços de informações estão atentos ao que acontece.

Em uma situação como essa, a nossa tarefa de repórter é importantíssima para os nossos leitores. Nós não temos como limpar os noticiários, tirando as bobagens que o presidente fala e que acabam virando manchete justamente porque foram ditas por ele. Muitas dessas coisas são jogadas com o objetivo de mudar o foco da questão das vacinas. É uma estratégia antiga que sempre funciona. Mas os brasileiros, como o resto do mundo, nunca viveram uma situação como essa determinada pela Covid-19. Nunca. Portanto, se nós jornalistas perdermos o foco no que interessa para o nosso leitor corremos o risco de sermos cúmplices da loucura que se transformou a história da vacina no Brasil por conta do presidente da República. Podem anotar.

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