Novo cartão-postal do Brasil é a imagem dos yanomami reduzidos a pele e osso pela fome

Comunidade internacional pressiona Lula para resolver logo os problemas da Amazônia Foto: Urihi Associação Yanomami

Por muitos anos o cartão-postal oficial do Brasil foi a imagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Houve uma mudança. Nas últimas três décadas, graças às lutas dos defensores do meio ambiente, como o seringueiro, ecologista e sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, consolidou-se como cartão-postal do país a Floresta Amazônica e os seus povos originais. Mendes foi assassinado em dezembro de 1988, na porta da sua casa em Xapuri, uma pequena cidade no interior do Acre. A lista de assassinados na luta pela preservação da floresta e dos seus povos é longa, as últimas duas vítimas conhecidas foram o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, tocaiados e abatidos a tiros em junho de 2022 no Vale do Javari, em Atalaia do Norte, interior do Amazonas. Hoje é consenso entre os líderes mundiais que a preservação da Floresta Amazônica é fundamental para o equilíbrio climático do planeta. Na terça-feira (09/05), o relatório Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal, do Banco Mundial, mostrou que a floresta em pé vale R$ 1,5 trilhão anuais, em torno de US$ 315 bilhões, de recursos para o Brasil. Uma quantia imensamente superior ao valor das atividades de exploração da área, em torno de R$ 98 bilhões anuais. Tomei a liberdade de usar a imagem do cartão-postal para facilitar a nossa conversa. Vamos aos fatos.

Estou perfilado entre os repórteres que fizeram a cobertura das crises de segurança pública que aconteceram nas últimas décadas no Rio de Janeiro. Lembro-me que sempre lá no meio das nossas matérias surgia a frase de que o cartão-postal do Brasil estava ameaçado pela violência e era comum os jornais e revistas fazerem montagens de fotos com a imagem do Cristo Redentor perfurado por balas de revólver. Hoje, o cartão-postal do país são as imagens dos índios yanomami transformados em pele e osso pela fome causada pela invasão dos garimpeiros ao seu território, uma área de 9,6 milhões de hectares na fronteira do estado de Roraima (RO) com a Venezuela. O que aconteceu com os yanomami e continua acontecendo é uma herança deixada pelo governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), que desmontou a estrutura dos órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para facilitar a invasão das áreas indígenas por garimpeiros e madeireiros clandestinos. Dando tudo certo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levará pelo menos um ano para retomar o controle da Floresta Amazônica. O quadro atual preocupa. No final do mês passado foram mortos quatro garimpeiros em um confronto com agentes do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na primeira semana de maio, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou que estava reforçando com 100 policiais os efetivos que estão na área dos indígenas. Não existe um número oficial de garimpeiros que estavam na reserva, até porque são clandestinos. Mas a estimativa das autoridades é de mais de 15 mil.

O tamanho da tragédia yanomami ainda é desconhecido. No mês passado foi descoberta uma vala comum com vários corpos. Todas as semanas são noticiados novos enfrentamentos a bala entre policiais e garimpeiros. Aqui vale um comentário que julgo necessário para o leitor entender o que está acontecendo. Não é novidade para quem conhece o problema. Mas faz parte do bom jornalismo partir do princípio que não estamos falando para especialistas no assunto. Vamos lá. Faço matérias sobre conflitos entre garimpeiros e indígenas desde os anos 80. O que está acontecendo com os yanomami é diferente de tudo que já aconteceu. O garimpeiro que está lá tem entre os seus financiadores organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, que usa os rios da região para trazer cocaína dos países vizinhos e distribuí-la para os mercados brasileiro, americano e europeu. Os chefes do PCC se aliaram aos financiadores tradicionais do garimpo. É com essa aliança que as autoridades federais estão lidando. Não é uma tarefa fácil, porque cada dia que um garimpo continua em atividade significa alguns milhões de reais ganhos. Dentro dessa realidade, o governo está lutando em duas frentes de batalha. A primeira é encontrar e destruir os garimpos em atividade na área yanomami. A outra é rastrear e ir atrás dos caminhos percorridos pelos produtos valiosos (ouro, cassiterita e diamantes) retirados ilegalmente da floresta. E aqui há uma novidade que a imprensa precisa correr atrás. Devido ao interesse dos líderes mundiais pela preservação da Amazônia, policiais de vários cantos do mundo estão ajudando os agentes brasileiros a rastrear os caminhos percorridos fora do Brasil pelos produtos preciosos e madeiras retirados ilegalmente do país.

Vou chamar a atenção dos colegas para mais um detalhe. Andei conversando sobre a aliança entre financiadores tradicionais dos garimpos e as organizações criminosas com fontes que tenho em Boa Vista, capital de Roraima. Fui informado que essa aliança colocou ao alcance da mão dos chefes do PCC parlamentares eleitos nas últimas eleições que têm ligações com os financiadores tradicionais dos garimpeiros. Há muito pouco tempo falamos sobre esse assunto. Além do PCC, existem outras facções regionais que resolveram entrar no negócio do garimpo, como a Família do Norte (FDN), de Manaus (AM). A imensidão da área yanomami não permite se ter uma ideia exata do que está acontecendo, mesmo usando o que existe de melhor em tecnologia, porque é necessário ir lá e falar com as pessoas para saber quem é quem. Esse desconhecimento é um problema para o governo federal, que tem pressa para retomar a região e, dessa forma, ter acesso a financiamentos bilionários ao seu dispor ao redor do mundo. Talvez seja hora de conversar com os soldados dos batalhões do Exército espalhados pela Amazônia. A maioria é filho de indígenas e ribeirinhos e, portanto, conhecem profundamente a região. Lembro-me que uma vez, no Acre, estava fazendo uma matéria e estava com dificuldade para saber para onde ir. Cheguei então a uma unidade do Exército no meio da selva e conversei com o pessoal. Eles me orientaram sobre o caminho deveria ir. Naquela imensidão, sempre que se sai sem saber para onde ir se acaba perdido no meio do mato. E devido as distâncias e as dificuldades de locomoção se perde horas, semanas e até meses para encontrar o rumo certo. O governo federal não tem tanto tempo para solucionar o rolo deixado pelo governo Bolsonaro na Floresta Amazônica.

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