Em 2007, durante o encerramento da 17ª Conferência Ibero-americana, no Chile, o rei da Espanha, Juan Carlos, irritado com a falta de educação do então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que interrompia a toda hora quem estivesse falando, disse o seguinte: “Por que no te callas?”. O tom de voz do rei surpreendeu a todos, inclusive Chávez. Pulamos para o mês passado, 13 anos depois do episódio do Chile: no primeiro debate entre os candidatos a presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concorrendo à reeleição pelos republicanos, interrompeu tantas vezes não apenas o seu adversário, o democrata Joe Biden, ex-vice-presidente de Barak Obama (2009 a 2018), mas até o moderador do debate, Chris Wallace, que a certa altura Biden se irritou e proferiu: “Você pode calar a boca, cara?” E mais à frente chamou-o de “palhaço”. A nossa conversa aqui não é comparar Biden ao rei Juan Carlos e muito menos Trump a Hugo Chávez. A nossa história é outra, vamos a ela.
Os colegas, especialmente os comentaristas políticos, consideram o debate entre Trump e Biden uma oportunidade desperdiçada de discutir ideias e estratégias sobre economia, pandemia e outros assuntos. Uma baita confusão, como muitos definiram. Eu não tive essa visão. Mas vi ali nascer o embrião de uma maneira de como lidar com um problema criado para nós repórteres com a eleição de Trump e depois reforçado com a do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O problema foi gestado por profissionais altamente especializados em texto, áudio e imagens que fizeram do desrespeito ao adversário uma importante ferramenta na disputa política. Na eleição de 2016, Trump questionou a nacionalidade de Obama por mais de um ano. Foi grosseiro com a sua adversária, Hillary Clinton, por ela ser mulher. Nos seus comícios apontava o dedo em direção aos jornalistas e os chamava de mentirosos. Pregou que todos os latino-americanos, especialmente os mexicanos, eram estupradores, assassinos e outras coisas mais. Aliou-se aos racistas e criminalizou as manifestações a favor dos direitos civis. Durante entrevistas ao vivo na Casa Branca, chamou jornalistas de criadores de fake news. Nada nós desestabiliza mais do que sermos chamado de mentirosos. Ainda mais no ar.
A reação do Biden no debate desestabilizou o seu adversário. Como o rei Juan Carlos fez com Chávez. Não sei se a reação do democrata foi natural ou ensaiada. O fato é que nos mostrou uma fragilidade na armadura criada por esses profissionais altamente qualificados para eleger candidatos usando o politicamente incorreto como ferramenta na disputa eleitoral. Qual é a fragilidade? Eles não sabem improvisar. Por quê? Por falta de conhecimento de questões básicas sobre os grandes temas da humanidade de hoje, como a questão ambiental. Sabem que vão ganhar manchetes nos jornais se forem contras as leis ambientais ou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação à Covid-19 e por aí afora. A questão é ser contra o que é consenso comum. E nós repórteres sabemos que ser contra o consenso comum, dependendo do assunto, é notícia de capa. Somos treinados para reconhecer isso como uma potencial manchete. Assim a nossa cabeça tem funcionado desde o tempo das barulhentas máquinas de escrever nas redações. O jogo mudou. Agora estão usando isso contra nós. No caso do Brasil, Bolsonaro e seus ministros, especialmente o do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o da Saúde, o general do Exército Eduardo Pazuello, não estão nem aí para as consequências do que estão fazendo. No caso de Salles, defendendo garimpeiro invasor de terra indígena, e do general, do uso do cloroquina contra a Covid-19, apesar de ser ineficiente contra o vírus. Fazendo isso, eles satisfazem os compromissos e as fantasias políticas do presidente da República. Mas um dia o mandato do presidente acaba. O que acontecerá com Salles e Pazuello? Qual é a responsabilidade de Salles na destruição da Floresta Amazônica? E a de Pazuello na morte de mais de 140 mil brasileiros pela Covid-19? E no caso do Trump, os absurdos praticados contra imigrantes ilegais, como separar mães de filhos? E as vistas grossas que tem feito para os movimentos racistas?
Não é de hoje. Mas já na Alemanha de 1930 e poucos os nazistas colocavam medo nos seus adversários fazendo demonstrações de força com desfiles monumentais. Pregações racistas e tudo o mais que a história nos conta. Essa máquina publicitária que elegeu Trump e que foi aperfeiçoada por Bolsonaro não impõe medo com desfiles monumentais. Mas com imagens de que ser patriota é desrespeitar conquistas da humanidade, como direitos humanos e preservação do meio ambiente. É importante para nós repórteres ficarmos atentos às estratégias que os republicamos e os democratas estão usando na disputa presidencial dos Estados Unidos. A máquina publicitária que elegeu Trump é eficiente porque aprende com os seus erros. Mas depende da ignorância em história do repórter para progredir. Colegas, fiquem atentos.