O Mais Médicos de Dilma foi boicotado. Farão o mesmo com o de Lula?

Criar mais faculdades de medicina é a saída para levar o médico para os sertões do Brasil? Foto: EBC

Em 2013, quando a então presidente Dilma Rousseff lançou o Mais Médicos, as entidades médicas brasileiras detonaram o programa, atiçando uma fogueira ideológica contra os profissionais cubanos contratados pelo governo – há matérias, vídeos e uma enormidade de documentários disponíveis na internet. Na última segunda-feira (20/03), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relançou o Mais Médicos. Essas entidades vão tentar boicotar novamente o programa, como fizeram com Dilma? É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos, como diziam os editores dos tempos das máquinas de escrever nas redações.

Os detalhes do plano Mais Médicos de Lula estão na internet – matérias, vídeos e documentos disponíveis. Eu quero chamar a atenção dos colegas para dois detalhes. O primeiro deles é que Lula, no meio da conversa, disse que pode lançar mão dos médicos brasileiros formados no exterior. Aqui é o seguinte. Não se tem o número oficial. Mas extraoficialmente é admitido que há mais de 100 mil médicos formados nos países vizinhos tentando revalidar os seus diplomas no Brasil. Só para se ter ideia da quantidade de faculdades de medicina particulares e públicas nos países vizinhos onde estudam brasileiros: Uruguai (14), Argentina (9), Paraguai (10), Bolívia (5), Colômbia (11). Os brasileiros vão estudar nesses países por três motivos: é mais fácil entrar na faculdade, o preço da mensalidade é menor e a qualidade do ensino é boa, principalmente nas universidades públicas argentinas. A revalidação dos diplomas desse pessoal é um assunto que a imprensa nacional precisa olhar de perto. Como também precisamos acompanhar as negociações de um acordo que está sendo gestado sobre a validade do diploma de médico entre os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela). Por que devemos ficar atentos? As entidades médicas brasileiras não querem concorrentes. Teoricamente, existe um excesso de profissionais médicos no Brasil: são 500 mil trabalhando, além de 353 faculdades de medicina que anualmente colocam entre 25 mil e 30 mil novos profissionais no mercado.

Mas o fato é que faltam médicos nos rincões mais distantes do Brasil e nas favelas das regiões metropolitanas. E o programa Mais Médicos pretende colocar profissionais nesses locais. Vou contar uma historinha. Aconteceu na manhã de um sábado de inverno. O Minuano, o gelado vento que sopra de sudoeste trazendo o frio polar para o sul do Brasil, varria Porto Alegre, a capital gaúcha, com frequência e intensidade, derrubando as temperaturas e ajudando a lotar as emergências da cidade, principalmente de velhos e crianças com problemas respiratórios. Bem cedo, fui levar um dos meus filhos na emergência de um hospital. Esperei um tempo e fui atendido por um jovem médico usando um jaleco novinho em folha. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que tínhamos sido alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eu havia me formado em jornalismo em 1983 e ele em medicina, em 1998. Na saída, ele me disse o seguinte: “Tu vais pagar mais caro pelo estacionamento do carro do que o teu plano de saúde vai me pagar pela consulta”. No entanto, a menos de 100 quilômetros dali, ele poderia ganhar bem mais trabalhando em uma cidadezinha do interior. Por que não vai para lá? Por uma fileira de motivos. É direito dele exercer a sua profissão onde bem entender. Conseguir profissionais para trabalhar onde os médicos brasileiros não querem ir é tarefa do governo. Falei sobre isso no meu post de 10 de janeiro de 2020, Criação de novos cursos de medicina é sinônimo de queda na qualidade do ensino? Dois meses depois do post, em 11 de março, foi declarada a pandemia de Covid-19.

A história da Covid puxa um segundo detalhe para o qual chamo a atenção dos meus colegas. Ele estava nas entrelinhas da conversa de Lula no lançamento do Mais Médicos. Durante a pandemia, a maioria das entidades médicas virou as costas para os brasileiros e calou-se frente ao negacionismo do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL), que apoiado pelo seu círculo íntimo de líderes implantou como política de governo o negacionismo quanto ao poder de contágio e letalidade do vírus. O ex-presidente virou as costas para a ciência e tentou enfiar garganta abaixo dos brasileiros o seu Kit Covid, formado por drogas como a cloroquina, que nenhum efeito tinham sobre a doença. Não estou citando nomes de entidades para não prolongar o assunto e tirar o foco da nossa conversa. Os nomes estão todos nas matérias que publicamos. E também no relatório de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid). Esse relatório colocou as digitais do governo nos mais de 700 mil mortos pela Covid. Arrematando a nossa conversa. Diferentemente do que aconteceu na época da então presidente Dilma, quando vieram com tudo contra o Mais Médicos usando a questão dos médicos cubanos, hoje, no governo Lula, essas entidades têm dois problemas reais: a questão da revalidação dos diplomas que podem inundar o mercado de trabalho da categoria com novos profissionais, e sua aliança com a política negacionista do ex-presidente em relação à Covid. Vamos saber qual será o comportamento das entidades médicas em relação a Lula lá meio do ano, quando já se poderá ter um quadro mais definido dos rumos que o atual governo está tomando na economia, em especial na criação de novos empregos. Até lá, tudo que dizermos é apenas especulação. O fato é que milhões e milhões de brasileiros não podem ficar sem assistência médica apenas porque os profissionais não querem trabalhar onde eles são necessários. Há médicos disponíveis no Brasil e fora daqui que querem.

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