Não tenho como esquecer 1985. Em março, fui apresentado à inteligência artificial. Um filme chamado O Exterminador do Futuro, em que um androide assassino, interpretado por Arnold Schwarzenegger, era enviado do ano de 2029 para 1984 com a missão de matar Sarah Connor (Linda Hamilton), evitando que ela tivesse um filho que se chamaria John e se tornaria o líder de uma revolta dos humanos contra as máquinas que haviam dominado o planeta e estavam exterminando a espécie humana. O roteiro do filme é bem simples. Em 2029, a Skynet, um sistema de inteligência artificial criado para controlar o arsenal militar, começou a pensar por conta própria e a matar os humanos, substituindo-os por máquinas. O filme fora lançado com grande sucesso um ano antes, em 1984, nos Estados Unidos. Parte do sucesso deveu-se ao fato de que se vivia então o auge da Guerra Fria (1947 a 1991), um confronto econômico e ideológico entre o bloco capitalismo, representado pelos Estados Unidos, e o comunismo, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS.
As duas potências mantinham a paz aumentando e diversificando seus arsenais nucleares. Na época, o perigo de uma guerra atômica era real e frequentava as manchetes dos jornais ao redor do mundo. No final de março de 2023, nos noticiários da manhã, ouvi a informação de que mil especialistas publicaram um documento pedindo uma pausa de seis meses no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial para evitar que 300 milhões de trabalhadores sejam substituídos por máquinas. E alertava: “Devemos criar mentes não humanas que possam eventualmente nos superar, ser mais inteligentes, nos tornar obsoletos e nos substituir?”. A minha primeira reação foi achar que os colegas dos noticiários matutinos não tinham matéria para preencher os espaços e colocaram no ar uma abobrinha, como se chama na redação a notícia pouco relevante. Isso acontece o tempo todo, eu sei porque trabalhei em jornal durante mais de três décadas. No final da notícia mudei de ideia sobre a seriedade do assunto quando ouvi que entre as mil assinaturas no documento estavam a de grandes empresários da área de tecnologia, como Elon Musk, Steve Wozniak e Emad Mostaque – há matérias na internet sobre esses três personagens. Uma semana depois de ler, ouvir e ver matérias e muitos debates sobre esse documento, eu pensei: “Será que a historia da Skynet não era só uma ficção?” Claro que era só uma ficção. Mas fiz essa pergunta para alertar os meus colegas jornalistas que a maneira como essa história do documento sobre a inteligência artificial foi jogada na cara do leitor mistura ficção, realidade e alguns comentários sem pé nem cabeça de especuladores financeiros travestidos de cientistas. Essa é uma história muito séria e precisa ser melhor contextualizada e explicada para o nosso leitor. Não porque a inteligência artificial controle os arsenais nucleares. Nos dias atuais, com o fim da Guerra Fria, o uso dessas armas está razoavelmente controlado. Ameaças existem. Todos os dias o presidente da Rússia, Vladimir Putin, lembra que pode usar armas nucleares na guerra que está travando contra a Ucrânia – há matérias na internet.
O principal motivo pelo qual essa história da trégua sobre o desenvolvimento da inteligência artificial precisa ser melhor explicada é porque ela diz respeito ao dia a dia da população. Não estamos falando de ficção. Estamos falando de coisas reais, como o segredo dos nossos dados bancários e outros. Também carece de mais explicações o ChatGPT, uma tecnologia desenvolvida pelo laboratório de inteligência artificial americano OpenAI que responde a perguntas e faz tarefas simulando o comportamento humano. O que vou escrever agora não é opinião pessoal e muito menos especulação. São fatos reais que já publicamos. Ao contrário da época em que o perigo de extinção da humanidade e de todos os organismos vivos na Terra por uma guerra nuclear era real, nos dias atuais existe uma ameaça que é o uso das novas tecnologias de comunicação para reativar e espalhar as ideologias nazistas de Adolf Hitler e do fascismo de Benito Mussolini, responsáveis pela Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), que deixou um rastro de mais de 80 milhões de mortos. Essas duas ideologias e outras exóticas nunca estiveram tão ativas no mundo após a guerra como atualmente. Cito dois exemplos: o movimento mundial contrário às vacinas, que tem aberto caminho para a volta de doenças que já estavam sob controle, como o sarampo e outras. E o fortalecimento dos defensores das teorias da conspiração. Vários países no mundo, incluindo o Brasil, estão fazendo esforços para montar legislações que disciplinem a divulgação de conteúdos pelas grandes empresas de tecnologia. O assunto é manchete nos jornais pelo menos uma vez por semana.
Tenho dito que o melhor professor do repórter é a história. Não acredito nessa trégua pedida por esse documento no desenvolvimento da inteligência artificial. Os laboratórios vão continuar trabalhando e desenvolvendo os seus produtos. Há vários caminhos para resolver esse problema. Um deles é a qualificação dos jornalistas para que possam entender e explicar os fatos para os seus leitores. Sempre fui um defensor da especialização do repórter. É impossível ter um noticiário qualificado sem ter pessoas na redação que entendam sobre o que escrever. No começo da nossa conversa citei o filme O Exterminador do Futuro. Claro que já se sabia sobre a inteligência artificial antes. Mas citei esse filme porque o diretor, roteirista e editor James Cameron, 68 anos, contou a história de uma maneira genial. Teve a mesma competência nos filmes Titanic (1997) e Avatar (2009). Além de cineasta ele é formado em física e se dedica à exploração do fundo do mar. É fácil contar uma história desde que o repórter saiba do que está falando. Aprendi isso na lida de repórter investigativo.