O principal combustível da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) é o tumulto causado pelos ataques que faz contra as urnas eletrônicas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as tentativas de golpe de Estado e outras ações malucas contra as instituições democráticas. Esse é o fato. Se nós jornalistas olharmos para esse fato com os olhos de uma pessoa interessada em saber o que está acontecendo e que tem tempo e dinheiro para vasculhar informações confiáveis nas análises dos comentaristas políticos, nos trabalhos acadêmicos dos cientistas sociais e nas notícias das TVs a cabo, a conclusão que chegaremos é que o presidente está desesperado e que está queimando os seus últimos cartuchos tentando, no mínimo, ir para o segundo turno contra o seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas se olharmos a estratégia de Bolsonaro com os olhos de repórter e usando a principal ferramenta do nosso trabalho, que é a desconfiança, podemos chegar a algumas conclusões interessantes. É sobre isso que vamos falar.
Vamos aos fatos. Como se fôssemos um médico legista, vamos fazer a necrópsia de um dos últimos tumultos do governo Bolsonaro: Na terça-feira (02/07), o ministro da Defesa, general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, mandou um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o carimbo de “urgentíssimo”, pedido acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas. O código estava à disposição desde 2021 – há matéria na internet. A história do carimbo “urgentíssimo” foi uma encenação do ministro que foi devidamente desmascarada pela imprensa nos noticiários das TVs a cabo, sites especializados em política e outras plataformas de comunicação. Mas nos noticiários das TVs abertas e das rádios foi publicado apenas o essencial da notícia, que no caso é a manchete dando destaque para o “carimbo de urgentíssimo”. Por quê? Não há espaço para acrescentar à notícia uma contextualização do fato. É assim desde que o mundo é mundo, e esse tipo de noticiário é assistido pela maioria da população. É justamente essa parte da população que é o alvo da estratégia da reeleição do presidente. Lembro o seguinte. Sempre que Bolsonaro faz uma bravata nós costumamos publicar que ele fala para o público dele. Não é bem assim. Ele está usando os meios de comunicação que atingem o grande público para vender o seu peixe. Lembro que no tempo do governo militar (1964 a 1985) eu fazia a cobertura dos conflitos agrários, um setor que na época era hipervigiado pelo serviço de inteligência governamentais, cujos agentes inundavam jornais, noticiários de rádios e agências de notícias com informações falsas sobre a luta pela reforma agrária. O que modernamente chamamos de fake news.
Esse sistema que descrevi foi apenas modernizado. Hoje ele é alimentado pelos tumultos do presidente Bolsonaro com os ministros do STF. Aqui é o seguinte. Há pelos menos dois debates agendados por consórcios de veículos de comunicação com os quatro primeiros colocados nas pesquisas para presidente da República. No debate é real a possibilidade de Bolsonaro usar a estratégia do tumulto para montar uma versão da sua atuação e distribuir nas redes. Lembro que em setembro de 2020, em um debate entre os então candidatos à presidência dos Estados Unidos Joe Biden (democratas) e Donald Trump (republicanos), que concorria à reeleição, Trump tumultuou tanto que Biden deu uma Juan Carlos, rei da Espanha. Em 2007, na 17º Conferência Ibero-Americana, no Chile, ele se irritou com o tumulto que o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, estava fazendo e gritou: “Por qué no te callas?” No debate, Biden gritou para Trump: “Você pode calar a boca, cara?” Em 6 de outubro de 2020, publiquei o post O dia que Biden foi o rei da Espanha. E Trump foi Hugo Chávez. A maneira como Biden reagiu à provocação do seu adversário foi importante para a sua vitória. Bolsonaro é admirador de carteirinha de Trump. Inclusive, andou ameaçando que, caso fosse sacaneado pelas urnas eletrônicas, poderia acontecer aqui o que houve nos Estados Unidos, quando uma multidão de seguidores de Trump invadiu o Capitólio, o congresso americano, tentando impedir na marra a posse de Biden.
Arrematando a nossa conversa. O que vou escrever agora não é opinião, muito menos uma tese acadêmica. São fato que já publicamos, a maioria nas entrelinhas das nossas matérias. O presidente Bolsonaro não entende de economia, ele mesmo disse isso quando nomeou Paulo Guedes seu ministro da Economia. Ou da arte de administrar os bens públicos. Ele entende de fazer tumulto para se manter no poder. E ser presidente do Brasil é o melhor emprego que já teve na vida. Nesses seus quase quatro anos de mandato pulou de um tumulto para outro. As eleições são mais um. Ele sabe sobreviver nesse ambiente. Assim como para o marceneiro o martelo é o seu instrumento de trabalho, para o presidente do Brasil o tumulto é o seu ganha-pão. Até agora essa estratégia tem assegurado a sobrevivência política dele por mais de três décadas como vereador do Rio de Janeiro e depois deputado federal. Se tivesse continuado como parlamentar as suas chances de reeleição eram grandes. Já como presidente da República a conversa é outra.