Por que Bolsonaro continua cutucando com vara curta o ministro Mandetta?

Bolsonaro (esq) insiste em irritar e atrapalhar o trabalhado do ministro Mandatte (dir) sem se importar com efeito da briga entre os pacientes, seus parentes e os trabalhadores da saúde. Foto: EBC

Há um assunto que nós jornalistas estamos deixando de lado na questão da disputa entre o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido, RJ) e seu ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta: o que se passa na cabeça das pessoas infectadas pelo coronavírus e dos seus parentes. Enquanto o ministro Mandetta diz que se trata de um problema de saúde pública sério e defende o isolamento social, Fica em Casa, como maneira de conter a expansão do vírus no país, o presidente anda pelas ruas abraçando, cumprimentando pessoas e dizendo que a proposta do seu ministro é um absurdo. E recomendando o remédio cloroquina contra o vírus, uma medicação que ainda não teve o seu uso comprovado para esse tipo de doença. Enquanto isso, o coronavírus vai empilhando mortos ao redor do planeta: até esta sexta-feira (10/03) já eram mais de 100 mil vítimas, sendo mil no Brasil. Havia mais de 1,6 milhão de pessoas infectadas no mundo, 20 mil no Brasil.

No interior do Brasil o dito popular “cutucar com vara curta” significa irritar. Dito isso, vamos aos fatos. Como repórter, conheço muito bem as emergências médicas do Brasil por ter trabalhando com conflitos sociais. Era lá que tudo acabava quando terminavam os confrontos. E, como pai, em 2000, fiquei 53 dias acompanhando um dos meus filhos em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).  Nas emergências, a correria dos médicos e enfermeiros é assistida pelos familiares com grande apreensão. E na hora que um deles chama um parente, “o coração bate na boca”, como me descreveu o pai de um jovem sem-terra baleado durante um confronto com a Brigada Militar (BM), no interior de Santo Ângelo, na Missões do Rio Grande do Sul. O jovem morreu. Na época que o meu filho estava na UTI, lembro-me que sempre alguém do hospital ligava o “coração batia na boca”. O meu filho está grande e forte. Hoje esse ambiente tenso ao natural que são as emergências médicas e as UTIs está sendo bombardeado pelas sabotagens do presidente da República contra seu ministro da Saúde.

Um exemplo da sabotagem de Bolsonaro contra o ministro Mandetta. Na noite de quinta-feira (09/03), ele fez uma live nas redes sociais que foi um deboche às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). E uma bofetada no rosto de Mandetta. No meio da conversa, que durou 21 minutos e 34 segundos, o presidente descreveu uma situação que disse ter ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) para ilustrar a sua posição sobre o uso da cloroquina antes que todos os testes sejam feitos. Contou que faltou plasma sanguíneo para os soldados americanos feridos. E que o problema foi resolvido usando água de coco na transfusão. Comentou: “Imagine só se fossem esperar os resultados dos estudos sobre o assunto? O soldado morreria”. Bolsonaro falou como se fosse verdade a história da água de coco. Na internet há duas posições sobre o assunto: uma que se trata de uma lenda e outra que ela foi usada durante uma emergência. Jogar esse exemplo dentro de um ambiente tenso como o atual é como apagar fogo com gasolina.

Seguindo a conversa sobre a live. Na semana passada, segunda-feira (06/03), o ministro Mandetta disse durante uma entrevista que “médico não abandona o paciente, eu não vou abandonar”. Questionava-se então se ele iria pedir demissão depois do presidente ter dito um monte de asneiras durante um pronunciamento na TV. Na sua live de quinta-feira, o presidente afirmou o seguinte: “Médico não abandona o paciente, mas o paciente troca de médico…” Uma provocação barata. Por quê? O ambiente hoje entre médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde que trabalham nos postinhos nas favelas e vilas populares é muito tenso. Lidam com a falta de insumos de proteção e com pacientes com os nervos à flor da pele. Os profissionais que estão na outra ponta do sistema, nas emergências e UTIs dos hospitais, estão tensos porque sabem que travam uma corrida contra o tempo. Se a doença acelerar, o sistema hospitalar entra em colapso. Meus colegas repórteres, nós precisamos conversar demoradamente com os profissionais de saúde, pacientes e seus parentes a respeito de como é estarem presos no meio do fogo cruzado dessa disputa articulada e nutrida por Bolsonaro contra o seu ministro. Uma situação absurda. Para não dizer uma outra coisa.

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