Procurados vivos ou mortos

Professora Cláudia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desapareceu em abril de 2015 sem deixar pistas. Ela faz parte de um contingente de gaúchos que as famílias clamam por uma solução do caso. Foto: arquivo pessoal.

Não existe nada mais cruel para uma família do que não saber o destino de um familiar sumido e do que cruzar pelas ruas da cidade com o suspeito pelo desaparecimento, livre por falta de provas. Sem um corpo, dificilmente alguém vai para a cadeia. Os casos que existem são escassos. Um desses raros episódios  é o do ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes. Em 2010, ele e oito comparsas foram apontados pela polícia como responsáveis pelo sequestro, pelo cárcere privado e pelo desaparecimento da modelo Eliza Samudio, com quem ele teve um filho. Bruno foi preso e, em 2013, condenado a 22 anos e 3 meses de prisão, sem o direito de recorrer em liberdade. Até hoje, o corpo de Eliza não foi encontrado. A criança vive com parentes da modelo, e os cúmplices do goleiro foram presos. A repercussão que o caso teve nos noticiários por envolver um atleta do Flamengo foi fundamental para a solução do crime.

Por mais cruéis que sejam os casos de desaparecimento que não envolvem pessoas famosas, eles não ficam mais de duas semanas nos noticiários. E assim que desaparecem das páginas dos jornais, eles somem. Ficam marcados apenas na memória dos repórteres que trabalharam no crime, na dos policiais envolvidos na investigação e na do suspeito. E vira um pesadelo diário para a família. Como repórter, trabalhei em cinco desses casos. A lembrança mais antiga que tenho foi o desaparecimento do menino Marcelo Rocha Alifantis, 14 anos, em uma tarde de janeiro de 1994, em Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre. Trabalhei duas semanas corridas na cobertura, fazendo matérias para o noticiário diário e reportagens especiais. Naquela tarde, o garoto saiu para jogar bola e nunca mais foi visto. Houve um pedido de resgate, que não foi pago porque não foi apresentada uma prova de vida do garoto. Suspeitos foram presos e libertados por falta de provas. Em 12 de agosto de 2012, o jornalista Celito De Grandi  (falecido em 2014) publicou uma matéria em Zero Hora que resume bem o desaparecimento.

Ainda hoje, os familiares acreditam que um dia o garoto será encontrado, vivo ou morto. Em junho de 2005, eu me envolvi em outro caso de desaparecimento. Foi o da comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, e do seu filho Gabriel, 7 anos. Depois de romper com o marido, ela e o menino saíram de casa para encontrar-se com um médico homeopata com quem ela teve uma relação extraconjugal. Ele era o pai do Gabriel. O encontro daria início a um processo em que ele reconheceria a paternidade. Mãe e filho desapareceram no local do encontro e nunca mais foram encontrados. O médico esteve preso durante 50 dias e foi libertado por falta de provas. Conversei demoradamente com o ex-marido da Sirlene, com uma de suas filhas e com seus irmãos. Eles têm certeza do envolvimento do médico e reivindicam o direito de saber o que houve. O delegado do caso, João Carlos da Luz Diogo, está aposentado. Mas ainda segue pistas que recebe sobre o crime.

Meia dúzia de anos depois, em junho de 2011, eu estava fazendo uma reportagem investigativa sobre uma quadrilha envolvida com furto e roubo de veículos no Alto Uruguai, uma região agrícola gaúcha separada do Oeste de Santa Catariana pelo Rio Uruguai. Recebi uma ligação da redação pedindo que me envolvesse na cobertura do desaparecimento da jovem Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses, moradora de Três Passos, que havia saído de casa para encontrar o seu namorado, pai da criança, e nunca mais foi vista.  O namorado era um brasiguaio – como são chamados os agricultores brasileiros que migraram para o Paraguai – que era casado. Ele estava de visita na casa de parentes em Humaitá, cidadezinha agrícola a uns 21 quilômetros de Três Passos. Consegui encontrá-lo e conversamos por mais de três horas sobre o episódio. Também encontrei outras cinco pessoas que eram suspeitas de terem ajudado o suspeito no desaparecimento da menina. A polícia não conseguiu provas que ligassem o brasiguaio ao desaparecimento. Voltei a Três Passos mais duas vezes para mexer no caso. Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu com Cintia. A sua família não a esqueceu. A delegada do caso, Caroline Bamberg  Machado, andou até pela Argentina – a fronteira fica a uns 50 quilômetros de Três Passos – seguindo pistas na busca de Cintia.

Em 2014, eu voltei a conversar demoradamente sobre o sumiço de Cintia com a delegada Caroline. Eu estava em Três Passos, trabalhando no caso do menino Bernardo Boldrini, 11 anos, que foi morto pela madrasta, a ex-enfermeira Graciele Ugulini, com a participação do pai, o médico Leandro Boldrini, e dos irmãos Edelvânia e Evandro Wirganovicz. Um homicídio complicado que a delegada conseguiu resolver. Os quatro acusados pelo crime estão presos aguardando julgamento. No caso de Cintia, a delegada conserva a esperança de um dia encontrar uma pista que solucione o crime. A família segue cada pista que aparece. Um ano depois, na outra ponta do Estado, cidade de Pelotas. No inicio da noite de 9 de abril de 2015, a professora do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cláudia Hartlben saiu da casa de uma amiga rumo a sua moradia. Nunca mais foi vista. O inquérito policial indiciou o ex-marido dela e um filho pelo desaparecimento. A Justiça não aceitou o indiciamento, e o caso segue em aberto, ela, desaparecida, e os suspeitos, soltos por falta de provas.

Foi com a experiência de ter trabalhado nesses casos que, quando coloquei o olho no desaparecimento da contadora Sandra Maria Lovis Trentin, 48  anos, no último mês de janeiro em Palmeira das Missões, tive a impressão que já havia assistindo e esse filme. Sandra trabalhava e morava com a família em Boa Vista das Missões, pequena cidade agrícola a 22 quilômetros de Palmeira. O inquérito policial apontou como responsável pelo desaparecimento o marido da contadora, o vereador Paulo Ivan Landfeldt (PSDB), e um jovem de 22 anos que ele teria contratado para matá-la. Landfeldt e o jovem foram presos preventivamente. Mas sem aparecer o corpo, eles foram libertados. O caso seguiu o roteiro dos outros crimes. Com exceção do Marcelo Alifantes, os outros desaparecimentos têm como fato em comum: são mulheres que estavam envolvidas em um litígio familiar. Coincidência?

3 thoughts on “Procurados vivos ou mortos

  1. Não existe estrutura mínima pras polícias do Brasil investigarem todos os desaparecimentos, longe disso;
    O contingente é insuficiente, a formação técnica é limitada, e o investimento em segurança, curto, não contempla a Inteligência;

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