A ideia que dá é que o cardiologista Marcelo Queiroga, 55 anos, fará uma foto sendo nomeado ministro da Saúde pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e logo a seguir pegará as suas coisas e sairá correndo porta afora sem olhar para trás. O rolo é muito grande. Ele assume no momento em que estão morrendo diariamente quase 3 mil brasileiros pela Covid-19. Os sistemas hospitalares público e privado em 25 dos 27 estados entraram em colapso e centenas de pessoas estão sendo empilhadas nos corredores à espera de uma vaga na UTI. Só há estoque para 20 dias dos remédios usados para intubação dos pacientes. A vacinação acontece a conta-gotas devido a falta do imunizante. E a cereja do bolo: Bolsonaro segue firme na sua saga de negacionismo sobre o poder de contágio e de letalidade do vírus.
Queiroga assumiu no lugar do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello na segunda-feira (15/03). Tem dito nos seus pronunciamentos públicos que veio para seguir as normas da ciência no combate à pandemia e recomenda união de todos para resolver o problema. A pergunta que nós jornalistas nos fizemos é a seguinte: em que planeta estava Queiroga antes de assumir a Saúde? O barco está afundando. Uma pesquisa da capa do jornal Folha de São Paulo (19/03) diz que 79% da população brasileira acredita que as autoridades perderam o controle da pandemia. Não é hora de discutir a relação. Mas de apresentar soluções. Ele tem noção disso. Tanto que falou que não tem uma varinha de condão para resolver os problemas. Enquanto a vacinação não deslancha, a única saída que existe é o isolamento social. Ontem (18/03), o presidente da República entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o poder dos governadores e prefeitos de fecharem o comércio para evitar aglomeração de pessoas. Se o presidente ganhar no STF cai a última barreira de enfrentamento ao vírus, que é o isolamento social.
Para o novo ministro da Saúde colocar as suas ideias em prática ele terá que enfrentar a fúria de Bolsonaro e das milícias digitais que são vinculadas ao Gabinete do Ódio, um grupo de pessoas que cercam o presidente, entre eles os filhos parlamentares Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo. Queiroga não tem bala na agulha para esse enfrentamento. “Bala na agulha” é um dito popular que significa poder. Não é opinião. Está escrito no que temos publicado. O novo ministro parece estar deslumbrado com o cargo. E não está enxergando ao seu redor. Ele acredita que, pelo fato de cumprir uma política de saúde traçada pelo presidente, ficará isento de qual0quer responsabilidade jurídica. O ex-ministro Pazuello transformou o negacionismo do presidente em uma política de governo que resultou nessa confusão em que os brasileiros estão metidos. Alguém tem que lembrar a Queiroga que ele falou que daria continuidade à administração de Pazuello. Isso significa a execução de uma política genocida em relação ao vírus.
Não precisa ser um gênio do direito para saber que todo esse rolo vai acabar em um tribunal internacional. Já são 280 mil brasileiros mortos pelo vírus. O presidente usou Pazuello como boi de piranha – nos rios do Pantanal, os vaqueiros atravessam um animal longe da tropa para atrair os peixes carnívoros. Atirou no colo do general toda a bronca e o demitiu. Queiroga também vai ser usado como boi de piranha. O estranho de toda essa situação é o silêncio dos Generais do Bolsonaro, como são chamados os 6 mil militares que fazem parte da máquina administrativa do governo federal. Eles sabem que a emergência sanitária do país virou uma grande bagunça. Também sabem que vão ser apontados como fiadores de uma política genocida. No entanto, estão quietos. Pelo menos em público. Oficialmente ficaram longe do processo de escolha do substituto de Pazuello. A única declaração em público foi do vice-presidente da República, o general da reserva do Exército Hamilton Mourão, que disse que o presidente é o responsável pela política de saúde. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, homem de confiança de Bolsonaro, que havia indicado a médica Ludhmila Hajjar para cargo que acabou ocupado por Queiroga, também está quieto. As duas únicas vozes que se ouvem hoje (19/03) no governo são as palavras de deslumbramentos do novo ministro da Saúde e os palavrões de Bolsonaro. Será que tem gente cochichando pelos cantos e nós jornalistas não estamos ouvido?