Não é de hoje. Já vem de uma década e pouco o avanço nos noticiários de conteúdos referentes à saúde, com foco nas novas tecnologias para tratamentos médicos, descobertas de novas medicações, alimentação saudável e atividades físicas. Não tenho os números. Mas fui testemunha, nos 30 e tantos anos que trabalhei em redação, do alto índice de leitura desse tipo de assunto. As grandes crises sanitárias mundiais provocadas por vírus e bactérias, como o ebola na África, foram tratadas de maneira técnica e distante. Tipo: existe, mas não está aqui. E se está aqui, não é perigoso. A popularização desses assuntos sempre foi um prato cheio para os roteiristas de Hollywood produzirem filmes como Epidemia (1995). Mas nem mesmo mentes criativas, como a do cineasta Steven Spielberg, foram capazes de imaginar o estrago que está sendo provocado pela Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, que há quatro meses coloca o mundo de joelhos.
Sendo mais preciso. Nos últimos 120 dias o vírus se espalhou por mais de 200 países, infectou 16 milhões de pessoas e matou 650 mil. O Brasil ocupa o segundo lugar no número de mortes (86 mil) e de infectados (2,4 milhões). Não existe um remédio específico para tratar a doença e muito menos vacina. A única saída é o distanciamento social. Por conta dessa estratégia, cidades como Nova York, Londres, São Paulo e outras grandes metrópoles trancaram a população em casa. A cura está a caminho. O que o nosso leitor quer saber é simples. Pode acontecer novamente? É aqui que entra a nossa profissão. As redações vão precisar de um jornalista especializado em rastrear pelos cantos do mundo a existência de vírus, bactérias e outros agentes transmissores de doenças desconhecidas com potencial de se alastrar pelos continentes. Esse profissional terá que dominar as técnicas da investigação jornalística, ter conhecimento básico de biologia e falar pelo menos inglês e francês. Claro. O atual currículo dos cursos de jornalismo no Brasil não atende a todas essas novas exigências. Portanto, é necessário procurar o conhecimento em outros lugares, como seminários e outros eventos.
Aqui, quero chamar a atenção dos estudantes de jornalismo e dos jovens repórteres nas redações para o seguinte. O que vou falar é com base no que deu certo e errado na minha carreira de repórter. Logo que comecei a trabalhar entendi que era necessário me especializar em um assunto para sobreviver e progredir na profissão. As matérias que publicamos nos jornais (papel e sites), rádios, TVs e outras plataformas nos dão popularidade. Mas o que fixa a “marca do repórter” são os livros que publicamos. Mais uma coisa. As redações vão precisar desse novo profissional. Mas não significa que irão pagar um salário digno. Porém, sendo um profissional especializado, esse repórter poderá abrir o seu próprio negócio e vender os conteúdos para as publicações. Na minha geração, eu estou com 69 anos, a redação era a única opção de estar na vitrine. Hoje não é mais. Mas uma coisa que não muda na nossa profissão é o seguinte: “Que novidade tu tens para contar?” Não será só por curiosidade que o leitor vai querer saber sobre as chances de acontecer uma nova pandemia. Pela experiência que estamos tendo com a Covid-19, a pandemia afeta não só os nossos planos pessoais, como também a economia e um monte de coisas. Pela sua importância ela entrou na lista dos assuntos sobre o qual devemos estar bem informados.
Tenho dito nas minhas palestras e nos textos que escrevo que não sou profeta do apocalipse do jornalismo. Creio que a nossa existência é garantida pela necessidade que as pessoas têm de saber das coisas. Mas temos que fazer a nossa parte. E uma delas é estar atento às oportunidades quando elas surgem, como a criação de novos segmentos dentro do nosso mercado de trabalho. Oportunidades são criadas por situações novas. Sou velho, tenho muitas histórias para contar. Vou contar uma. Nasci em Santa Cruz do Sul e me criei em Encruzilhada do Sul. Morava no Lava Pé, o lado pobre da cidade. E pelo menos duas vezes por ano andava por lá um mascate – como eram chamados os vendedores de porta em porta de antigamente. Era um grande contador de histórias. Uma vez ele contou que tinha lido em um jornal que o mundo acabaria no final daquele ano. Foi ali que me interessei em ouvir os noticiários do rádio para saber sobre o fim do mundo. E ao ouvir os noticiários me tornei popular entre os guris. A história do fim do mundo rendeu muita conversa. O episódio do mascate tem alguma coisa a ver com o fato de eu ter me tornado jornalista? Não sei. Mas sei que a notícia do fim do mundo me fez correr atrás de informações. Uma das heranças da Covid-19 é que ela despertou o interesse de muita gente de saber se pode se repetir. E quem tem que dar a resposta somos nós. É simples assim.
Ok