Recebi uma ligação de um atento leitor que acompanha a minha vida de repórter há muito tempo. Ele é dono de uma lojinha nos arredores do Centro Histórico da Porto Alegre (RS) e devorador voraz de noticiários. Fez-me uma pergunta: “O que acontece com os bens que os deportados deixam para trás?” Respondi que não tinha nem ideia. Mas que ia buscar informações a respeito. O primeiro passo que dei foi vasculhar os noticiários publicados no Brasil e nos Estados Unidos. Encontrei algumas notícias que falam sobre o assunto, mas tendo como foco o prejuízo que causará à economia americana a ausência do trabalho dos ilegais. Fiz várias ligações para colegas que estão espalhados pelo mundo, repórteres que conheci nas coberturas de conflitos agrários nos estados do Sul do país e nos garimpos na Floresta Amazônica. E consegui algumas informações. Vamos conversar sobre isso.
Para começar, vamos contextualizar a nossa conversa, como exige o bom jornalismo. Não podemos partir do princípio de que todos os leitores conhecem os detalhes do assunto sobre o qual estamos falando. Ao contrário do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, espalhou pelas redes sociais, os imigrantes ilegais não são bandidos sanguinários, ladrões comedores de gatos e cães das famílias americanas. A grande maioria são pessoas pobres de países da América do Sul que vão para os Estados Unidos à procura de trabalho. E mandam parte do que ganham para os seus parentes nos seus países de origem. Para facilitar a vida do leitor vamos separar os ilegais em dois grandes grupos. O primeiro, que são a maioria, inclui aqueles que se estabeleceram ilegalmente no território americano há mais de três décadas. Aqui é o seguinte. Uma boa parte deles são proprietários do imóvel que habitam, do carro que usam e dos negócios que criaram – são pequenos empresários, donos de empresas de prestação de serviços, restaurantes e lojinhas. Conheço um casal de Belo Horizonte (MG) que viveu duas décadas ilegalmente em Nova York. Eram proprietários de um pequeno restaurante. Liguei para eles e perguntei como conseguiram ser donos de um negócio se eram ilegais. Responderam que, na ocasião, colocaram o negócio no nome de um amigo legalizado. Há uma década, eles venderam o restaurante, voltaram para o Brasil e aplicaram o dinheiro na compra de imóveis que nos dias atuais são locados. Conheci este casal na região de Uberlândia, no interior de Minas Gerais, quando fazia uma reportagem sobre garimpo ilegal de diamante e ouro. Eles estavam visitando parentes em uma das cidades da região. Há muitos números sobre o contingente de ilegais que Trump irá deportar. Um deles, que foi manchete em vários jornais, diz que mandou deportar 1,4 milhão de imigrantes que tinham sido recebidos pelo ex-presidente Joe Biden (democrata), 82 anos. São majoritariamente sul-americanos. Muitos eram donos de pequenos negócios. O segundo grupo de imigrantes ilegais são os que se estabeleceram no território americano na última década. A maioria deles são trabalhadores avulsos que ganham por tarefa prestada, como faxinas, motorista e outros. Eles possuem bens, como veículos, mobília e outros. Quem ficará com estes bens? O fato é o seguinte. Estes dois grupos de imigrantes ilegais vão deixar uma pequena fortuna para trás.
O que vai acontecer com os bens desta gente? Esta pergunta precisa ser respondida pela imprensa. Por ser mais barulhento, o foco atual dos noticiários está na deportação dos ilegais. Falei sobre o assunto no post, publicado no final de janeiro, Imprensa pode anotar. Efeito Trump entre os imigrantes é uma “tragédia anunciada”. Durante a campanha para as eleições presidenciais americanas, no ano passado, Trump se comprometeu em resolver vários assuntos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, taxar os produtos chineses e de outros países e deportar os imigrantes ilegais. Entre todos os seus alvos, os mais frágeis são os ilegais. Além disso, por ser uma potência econômica e militar, nas cidades americanas vivem imigrantes ilegais de vários cantos do planeta. Por conta destes dois fatores, a fragilidade dos ilegais e por ser um assunto de interesse mundial, o presidente americano deverá esticar esta corda até arrebentar. Não foi por outro motivo que anunciou na quarta-feira (29) o envio de imigrantes ilegais para a prisão da base naval americana de Guantánamo, em Cuba. Esta prisão foi criada para receber os presos envolvidos nos atentados de 11 de setembro de 2001, articulados e executados por terroristas da Al-Qaeda, de Osama Bin Laden (1957-2011). Nos atentados morreram mais de 3 mil pessoas, a maioria na queda das Torres Gêmeas, em Nova York, que foram atingidas por dois aviões Boeing 767. Houve várias denúncias de torturas contra prisioneiros em Guantánamo. Portanto, o simples fato de Trump ter decidido enviar imigrantes ilegais para esta prisão garantiu manchetes nos jornais do mundo inteiro.
Para arrematar a nossa conversa. A imprensa precisa puxar para as matérias a história dos bens deixados para trás pelos ilegais deportados. Há um assunto sobre o qual sempre falo quando tenho oportunidade. E tenho uma oportunidade agora. Ao contrário do seu primeiro mandato, de 2017 a 2021, no atual Trump só colocou como secretários (ministros) gente de sua absoluta confiança. Ele atribui o fracasso do seu primeiro mandato a pessoas que ocupavam cargos importantes no seu governo, mas que eram fiéis ao Partido Republicano, e não ao presidente. Como todos sabem, há uma disputa interna entre Trump e os republicanos moderados. Portanto, no entendimento do presidente americano, os seus secretários estão com ele para o que der e vier. O que isso significa? Até agora, de todos eles, o único que disse a que veio foi o bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do X, antigo Twitter, que chefia o Departamento de Eficiência do Governo (Doge). Ele fez uma saudação nazista quando discursou na posse de Trump. Negou que tenha sido um gesto nazista. A sua função no governo é diminuir o quadro de funcionários. Sabe-se lá o que vem por aí.