Saber como os deputados estaduais construíram o seu patrimônio é um bom começo para separar o joio do trigo

Separar o joio do trigo é uma parábola bíblica que se ajusta muito bem aos tempos de hoje nos noticiários recheados de generalizações. Foto: arquivo pessoal.

A generalização é o maior veneno que existe para o bom jornalismo.  E hoje repetimos nos conteúdos das nossas notícias a ideia de que todo o político é um safado. Não é. E a arte da política, como ensina a história, é a única maneira civilizada que temos de não nos matarmos.  Isso é a síntese.  De uma conversa que tive com um jovem de 17  anos que ingressou no curso de Ciência Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele não o único que tem esse pensamento. Apesar de ser um velho repórter, eu tenho um filho adolescente, e circulo muito entre eles. Daí pensei o seguinte: qual é a contribuição que nós, repórteres, podemos dar para essa turma? Sermos mais precisos nos nossos conteúdos sobre quem é quem no meio dos parlamentares.

E o caminho para sermos mais precisos sobre quem é quem não é difícil. Mas é trabalhoso. As figurinhas carimbadas todos já sabem. São aqueles denunciados pela Operação Lava Jato. Aliás, já eram carimbados antes da Lava Jato. Um bom começo para sermos mais precisos em nossas reportagens sobre a conduta dos parlamentares é pelo nosso quintal, os deputados estaduais. Aqui quero refletir com os meus colegas velhos e com os jovens repórteres. É do conhecimento geral que outra marca dessa eleição será os poucos recursos econômicos que as grandes empresas de comunicação vão colocar à disposição para a cobertura das eleições. OK. Como podemos fazer? Focando a nossa investigação. No Rio Grande do Sul, nós devemos pegar os deputados que participaram das últimas quatro eleições: os reeleitos, os que passaram para federal e os que perderam as eleições. Selecionado o grupo, nós vamos comparar o patrimônio que tinham na primeira eleição com o atual.

Essa comparação patrimonial é possível, porque as informações são públicas. Nesse tipo de apuração, há algumas cascas de banana com que o repórter precisa ter cuidado. Uma delas: alguns deles já tinham patrimônio antes de entrar na política – profissionais liberais bem sucedidos, comerciantes e industriais. Portanto, aqui a comparação é saber se os negócios dele foram turbinados pela carreira política. Para aquele que não tinha patrimônio no início da carreira e hoje tem uma vida confortável, é preciso saber se ele é compatível com os seus ganhos de parlamentar. Isso que estou escrevendo não é uma opinião. É uma sugestão de pauta. Nas coberturas das eleições, é muito comum o repórter chegar a uma cidade e ouvir que o tal deputado é o dono verdadeiro de um grande empreendimento que foi colocado no nome de um laranja. Nos meus 40 anos de profissão, ouvi  isso muitas vezes. Mesmo desconfiado de que poderia ser verdade, eu nunca dei bola por ter outras prioridades na cobertura. Mas a realidade de hoje exige que o assunto seja esclarecido. É uma exigência do nosso atual leitor e uma maneira de atrairmos novos assinantes, tipo aquele menino de 17 anos que citei.

Lembro o seguinte. As últimas coberturas de eleições têm sido muito parecidas com as feitas pelos repórteres esportivos na Copa do Mundo. Onde é priorizado o exótico. O momento político brasileiro atira sobre os nossos ombros a responsabilidade de separar o político do safado travestido de parlamentar. A cada dia que lê, ouve ou vê o conteúdo das nossas notícias, o nosso assinante vai avaliar se vale a pena continuar sendo nosso leitor. Saí da redação em 2014, e essa é a primeira eleição geral em que estou do outro lado do balcão. Claro, eu continuo sendo repórter e escrevendo os meus livros e no meu blogue. Mas vejo os noticiários na pele do leitor. E penso o seguinte: se tivesse que tomar uma decisão sobre o futuro dos meus filhos, baseado nas informações que os meus colegas transmitem nos noticiários, estaria em uma grande fria, porque o grau de imprecisão do que é falado é altíssimo. O alto grau de imprecisão nos conteúdos jornalísticos é coisa da atual geração de repórteres? Não. Na minha época de redação (1983 a 2014), já era assim. A imprecisão nos conteúdos é uma marca que o jornalismo brasileiro arrasta há muitos anos. O grande número de processos tramitando na Justiça contra nós é uma prova disso. Também tem os casos tipo Escola Base –  há várias matérias na internet. O que mudou? O nosso leitor. Ele não quer mais  pagar para ler, ouvir e ver conteúdos jornalísticos imprecisos. Quem não se der conta disso vai bailar. Podem apostar.

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