A vida militar do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), foi discreta. Entrou no Exército em 1977 e pulou de uma confusão para outra até ser preso, julgado, inocentado e “convidado a sair” do quartel em 1988. Empunhando a bandeira de melhores salários para os militares, ele migrou para a vida parlamentar se elegendo vereador do Rio de Janeiro e depois deputado federal por sete mandatos. Em 2018, graças a um somatório de fatores, se elegeu presidente da República. Um bom emprego para um capitão reformado do Exército, que teve uma vida parlamentar discreta e toda a vez que conseguiu espaço nos jornais foi graças a um absurdo dito para um repórter sem assunto para uma reportagem de fim de semana. Por tudo que li a respeito dele, ele é um sobrevivente que até agora conseguiu abrir caminho na “porrada” sempre que foi colocado contra as cordas pelos seus adversários. A situação que ele vive hoje é diferente de todas as outras que já enfrentou porque foi levado às cordas pelos erros cometidos no seu governo.
Antes de seguir conversando. O que estou escrevendo e que vou continuar contando não é opinião. Estou relacionando fatos que publicamos nos nossos noticiários, livros que li e documentos a que tive acesso. Um dos melhores livros que li foi O Cadete e o Capitão, de autoria do repórter Luiz Marklouf Carvalho. A minha geração de repórter fez faculdade nos anos 60, começou a trabalhar na década de 70 e até hoje desconfia das reais intenções de “salvadores da pátria”. Voltando à nossa conversa. O presidente assumiu o seu mandato com a convicção de que as Forças Armadas o apoiariam em um golpe de Estado. Fez uma baita lambança nas manifestações apoiadas pelos seus seguidores pedindo a intervenção militar – há dezenas de matérias na internet e um processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Tentou destruir por dentro órgãos governamentais, como os ligados ao meio ambiente, com o objetivo de beneficiar os madeireiros clandestinos e os garimpeiros na Floresta Amazônica usando o então ministro Ricardo Salles. Detonou a Polícia Federal (PF) colocando gente de sua confiança em postos-chaves. Montou uma máquina de fake news profissional e muito bem articulada para levar à população a versão dos fatos.
Tudo isso teria dado certo e hoje o presidente da República estaria caminhando a passos largos para mexer na Constituição e dar um jeito de ficar no poder se não fossem três fatos: o primeiro é que o Brasil não é mais um país agrícola como era em 1964, quando as Forças Armadas, apoiadas pelos Estados Unidos, deram o golpe militar que durou até 1985. O Brasil é hoje um país industrial, urbano, enorme e muito complexo. Mais ainda: a democracia que se instalou no país em 1985 ainda é jovem. Mas forte o suficiente para resistir a tentativas autoritárias. O segundo fato: por conta da musculatura da democracia, as instituições estão funcionando no país, como o STF, o Senado e a Câmara dos Deputados. E por último: existe e cada dia fica mais forte a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro tem sido vasculhado diariamente centímetro por centímetro pela imprensa. Aliás, estamos vivendo um dos raros momentos na história do Brasil que a imprensa tradicional tem relevância para os leitores.
Então é nesse ringue que descrevi que o governo Bolsonaro luta para se manter em pé. E quem tenta derrubá-lo não são petardos disparados pela oposição. Não, foram atitudes tomadas na administração federal que são contrárias à lei e acabaram complicando a vida de Bolsonaro como, por exemplo, o negativismo dele em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19. A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, está colocando as digitais do governo federal nas mais de 500 mil mortes de brasileiros pelo vírus. Bolsonaristas como o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) estão denunciando corrupção na compra de vacinas pelo governo. Bolsonaro não só acredita como trabalha para isso montando a sua versão dos acontecimentos, disparando fake news de que o povo o apoiará contra qualquer coisa que vier da CPI, do STF ou mesmo o que for publicado na mídia tradicional. De fato o que nós jornalistas sabemos é que os mais de 6 mil militares, incluindo generais da ativa, da reserva e reformados que fazem parte do governo não estão ali por alinhamento ideológico com Bolsonaro. Estão ali pelos salários. E a maioria dos líderes evangélicos que estão alinhados com o governo estão defendendo os seus interesses no setor de comunicação.
Tive uma longa conversa com colegas que trabalham em campanhas políticas em Brasília. A crença geral é que o presidente vive dentro de uma realidade que ele montou. Não gosta de ser contrariado. E faz do palavrão a linguagem oficial do seu governo. Há uma regra em Brasília: ninguém afunda com o barco. Os apoiadores do governo saltam na primeira gota de água que entrar pelo casco. Bolsonaro sabe disso. E até agora o seu barco tem enfrentado mar revolto. Mas segue firme navegando. Em 2018, um dos filhos parlamentares do presidente, Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, disse que em uma eventual ação do STF de impedir a posse do seu pai bastava mandar um soldado e um cabo para fechar o tribunal. Nesses dois anos de governo, a família Bolsonaro aprendeu que não é bem assim. Aliás, se o presidente Bolsonaro entrasse em Brasília liderando uma coluna de tanques acabaria sendo multado pelo primeiro fiscal de trânsito. As coisas mudaram e o país mudou.
O mais engraçado da foto de Bolsonaro apontando o ditador Médici é que o próprio Médici disse em sua biografia que Bolsonaro “é um mau soldado”. A pior ofensa que se pode fazer a um militar é dizer que é um “mau soldado”.
Jaca, ele é louco