Ao ser anunciado em abril como substituto do então ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, 56 anos, nós repórteres buscamos informações sobre o seu currículo disponíveis na internet para descrever o oncologista Nelson Teich, 62 anos, como um empresário e consultor bem-sucedido no mundo dos negócios. E que tinha sido indicado para o cargo por ter sido um dos assessores informais da campanha do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Nós repórteres nos esquecemos de acrescentar para os nossos leitores um dado muito importante: “ingênuo”, por não ter acreditado que assumia o cargo para fazer o serviço sujo recusado pelo seu antecessor: que é o de colocar em prática a política genocida de detonar o isolamento social, o fica em casa, que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como única estratégia para lidar com o coronavírus até ser descoberto um tratamento ou vacina.
Antes de seguir com a história do ministro Teich é preciso responder a uma pergunta para facilitar a vida do leitor. Por que as autoridades sanitárias ao redor do mundo consideram genocida a política contrária ao isolamento social? Porque sem ele ocorre o colapso do sistema de saúde. Foi assim na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos (principalmente Nova York) e em algumas cidades brasileiras, como Manaus (AM), onde as vítimas estão sendo enterradas em valas comuns, Fortaleza (CE) e Rio de Janeiro – há uma vastidão de matérias na internet. Hoje, manhã de quinta-feira (14/05), já somam 192.081 infectados no Brasil e 13.276 mortos. Nos quatro cantos do mundo são 4,3 milhões de infectados e 297 mil mortes.
Voltando à história do médico Teich. O presidente Bolsonaro nunca concordou com a política de isolamento social e sempre defendeu a tese de que as pessoas deveriam se expor ao vírus para criar anticorpos e tornarem-se imunes à doença. Na opinião do governo federal, cada semana de isolamento social custa para o país 20 bilhões de reais, como diz hoje (quinta-feira, 14/05) a manchete de capa do jornal (impresso) Zero Hora, de Porto Alegre. Ainda ontem (13/05), o presidente não mandou dizer, ele disse que seus ministros tinham que se alinhar com as políticas do seu governo. Isso inclui o ministro da Saúde. Aliás, principalmente ele.
Nos últimos dois meses de governo, o ex-ministro Mandetta levava uma bofetada (humilhação em público) do presidente em uma das faces do rosto e oferecia a outra (em nome do seu comprometimento com a saúde pública). Bolsonaro cansou de esbofetear o ministro e o demitiu em 16 de abril. Tech começou a ser esbofeteado já na primeira semana no cargo, quando colocaram como seu segundo no ministério o general Eduardo Pazuello e depois mais 20 militares em diversos postos administrativos. A maior bofetada que o presidente deu no seu novo ministro foi quando decidiu incluir como atividades essenciais, aquelas que podem trabalhar durante o isolamento social, manicure e barbeiros. Tech soube durante uma entrevista coletiva. Ao contrário de Mandetta, que sempre que era esbofeteado pelo presidente alegava que continuava no cargo “porque o médico nunca abandona o paciente”, Teich não reage. Isso não significa que esteja gostando de apanhar. Pode significar que esteja procurando uma maneira honrosa de sair. Usando o linguajar do filme Tropa de Elite: “Pede pra sair”.
Nada, mais nada mesmo, vai impedir que Bolsonaro consolide sua política de sabotagem do isolamento social que é mantido pelos governadores e prefeitos. Cada vez que ele sai abraçando gente e caminhando pelas ruas está pregando que o vírus “não é de nada”, e centenas de pessoas abandonam o isolamento social. Teich é impedido de concordar com essa estratégia do governo que é considerada genocida por ter feito o Juramento de Hipócrates, pelo qual os médicos se comprometem com a saúde das pessoas. E quando tudo passar, um repórter vai escrever toda essa história. E cada um dos personagens vai ter o seu lugar. O ministro Teich tem uma decisão a tomar entre preservar o seu cargo ou respeitar o juramento que fez. Lembro aos meus colegas jovens repórteres o seguinte. Os períodos da história têm começo, meio e fim. E quando eles acabam, nós escrevemos a história. Basta vocês correrem os olhos nos livros para ver. Assim como o compromisso do repórter é bem informar os leitores, o do médico é com a saúde pública. É simples assim.