Por conta do rolo armado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 61 anos, durante as eleições presidenciais de 26 de julho, vi nascer uma oportunidade de conversar com os meus colegas repórteres e os leitores sobre episódios recentes da história política brasileira que não podem cair no esquecimento, principalmente da imprensa. O Brasil que emergiu das eleições presidenciais de 2022 e que se consolidou com o fracasso da tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023 é um país diferente daquele erguido em 1985, quando foi negociada a volta da democracia, colocando fim à ditadura militar implantada pelo golpe de estado de 1964. O preço pago pela volta da liberdade foi a anistia aos torturadores, responsáveis pelas prisões ilegais e os outros absurdos cometidos contra a população civil. Não vou discutir a Lei de Anistia. Há um vasto material disponível sobre isso na Comissão Nacional da Verdade (CNV). Vamos conversar sobre as mudanças que trouxeram ao nosso modo de vida os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando seguidores do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
No Brasil pós tentativa de golpe, os brasileiros voltaram a valorizar a sua democracia, a liberdade de imprensa e as instituições. O resultado do 8 de janeiro de 2023 foi mais de 1,5 mil pessoas presas. Destas, pelo menos duas centenas já foram condenadas e cumprem pena, outras estão em liberdade vigiada ou sendo processadas. Os articuladores da tentativa de golpe (generais, policiais federais, civis, militares e penitenciários) estão presos e correm o risco de perder os seus empregos. Vários financiadores das pessoas que participaram da quebradeira na Praça dos Três Poderes também foram presos. E oficiais militares, incluindo generais das Forças Armadas, estão respondendo a processos. Esta foi uma das raras vezes na história política do Brasil que atentar contra as instituições deu cadeia. Tenho escrito que o ex-presidente Bolsonaro, durante as três décadas em que foi deputado federal pelo Rio de Janeiro, nunca escondeu a sua intenção de dar um golpe de estado. Muito pelo contrário. Ganhou muitas manchetes dos jornais reclamando que os militares golpistas de 1964 deveriam ter matado muito mais gente. E também dizendo que o seu ídolo era o coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), que usava o codinome de Doutor Tibiriçá nas sessões de tortura dos presos políticos. O seu projeto político era chegar ao poder e começar a infiltrar na máquina administrativa federal aqueles que fossem fiéis a suas ideias de extrema direita. Lembro que quando começou a sua campanha pela Presidência da República, em 2018, nem ele acreditava que teria chances de ganhar. O somatório de uma série de fatores acabou o elegendo, como foi o caso do atentado que sofreu em 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora (MG), quando foi esfaqueado pelo pedreiro Adélio Bispo de Oliveira, 46 anos. Eleito, Bolsonaro viu crescer ao seu redor um contingente significativo de generais, empresários, parlamentares, influenciadores de redes sociais e funcionários públicos federais. A ideia inicial de uma boa parte dessas pessoas era controlar Bolsonaro, dizendo-lhe o que podia e não podia fazer. Quebraram a cara e foram arrastados pelo ex-presidente a uma situação jurídica muito complicada.
Nos dias atuais, o ex-presidente responde a mais de 300 processos, inquéritos e outros procedimentos na Justiça. E foi sentenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a oito anos de inelegibilidade. Seja qual for o futuro político do ex-presidente, ele continua apostando no golpe de estado. Não tem essa atitude por ser capitão reformado do Exército. É por crença política. É a opinião de muitos especialistas. Bolsonaro concorreu à reeleição em 2022 contra uma frente ampla formada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos. Se tivesse ganho, o Brasil corria o risco real de se tornar uma “república de bananas”. Lula ganhou e conseguiu consolidar o seu governo derrotando os golpistas de 8 de janeiro. Maduro e o seu grupo político, formado por juízes, ministros, generais e oportunistas de todos os calibres, não entenderam as mudanças que aconteceram no Brasil depois de 8 de janeiro de 2023. Acreditaram que tudo continuava como antes e que o Brasil se alinharia automaticamente aos países que fecharam os olhos para as fraudes praticadas nas eleições presidenciais venezuelanas, quando Maduro concorreu à reeleição contra Edmundo González, 74 anos. Apoiados pelos seus aliados espalhados pela máquina administrativa do país, Maduro se declarou vencedor. González também se declarou vencedor.
Esta situação está sendo negociada pelo presidente Lula e o seu colega da Colômbia, Gustavo Petro, 64 anos. Os dois exigem a apresentação das atas das urnas para serem periciadas. Por uma das zombarias da história vou citar dois fatos. O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 78 anos, durante do seu mandato (2017 a 2021) tentou aparelhar com os seus seguidores o governo federal. Em 6 de janeiro de 2021, incentivou-os a invadir o Capitólio (Congresso) para impedir que o legislativo americano ratificasse a vitória nas eleições do atual presidente, Joe Biden, 81 anos. Cinco pessoas morreram durante o ataque e dezenas foram presas. Atualmente, Trump concorre à presidência contra a vice-presidente Kamala Harris (democrata), 59 anos. Tanto Bolsonaro quanto Trump tentaram ganhar o governo na mão grande. Exatamente como está fazendo Maduro, que, ao contrário dos outros dois, teve tempo para aparelhar o governo e pode se manter no poder pelo tempo que bem entender. Em nome da exatidão jornalística, nós repórteres precisamos nos dar conta que a disputa política está enveredando para o lado de que não é mais uma competição entre a direita e a esquerda, ou conservadores e liberais. O jogo mudou. Agora é entre golpistas e legalistas.