A defesa do consumidor ficou fora dos compromissos dos candidatos e das redações

O respeito ao direito do consumidor exige vigilância permanente. Foto: arquivo pessoal


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Na segunda terça-feira de setembro, dia 11, completam-se 28 anos de existência da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), um marco civilizatório no Brasil. Até então, valia a lei do mais forte. O conjunto de normas e regras do CDC protege o consumidor dos desmandos, desde os do dono do boteco da esquina até os das grandes corporações. A história tem nos ensinado que o cumprimento das leis de proteção ao consumidor precisa ser fiscalizado diariamente. Caso contrário, elas não são cumpridas. Portanto, não tem justificativa a defesa do consumidor ter ficado de fora dos programas dos candidatos a cargos estaduais e federais. E muito menos o silêncio comprometedor das redações em relação ao assunto nos conteúdos dos noticiários sobre a disputa política das eleições. Por que isso está acontecendo?

Para responder a essa pergunta, vamos ter que recuar no tempo. A proteção do consumidor é feita por uma rede de organizações governamentais, tipo Procon, e dezenas de organizações civis. Acrescente-se à lista as redações. Trabalhei em redação de jornal de 1979 até 2014 e lembro que, entre 10 ligações de leitores que se recebia, pelo menos um terço delas era de reclamações contra as prestadoras de serviço, o comércio varejista e os bancos. As reclamações que na maioria se transformavam em matérias eram as contra hospitais e médicos. O resto acabava indo para a vala comum, ou seja, eram anotadas e esquecidas em alguma gaveta, principalmente aquelas em que o consumidor “comprava gato por lebre”. Com a consolidação das redes sociais, graças ao barateamento do acesso a internet, o jogo virou a favor do consumidor. Nos dias atuais, ele não depende mais da boa vontade de um jornalista em denunciar o seu problema. Vai para as redes sociais e bota a boca em quem prestou o serviço ou vendeu o produto.

As redes sociais redefiniram a função das redações na questão dos consumidores. Essa redefinição deixou a cargo dos jornalistas a defesa dos problemas no atacado, por exemplo: o uso do 0800 para resolver problemas com as prestadoras de serviços e o comércio. A cada reportagem que é escrita ou que vai para o ar mostrando o martírio que o uso desse serviço é para o consumidor, força as autoridades de exigirem o aperfeiçoamento desse serviço. Várias regras têm sido criadas para esse fim. Consta dessa lista a regulamentação do tempo de espera nos bancos para ser atendido. Ainda sobre os bancos. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, vinha sendo popularizado um tipo de assalto conhecido como “saidinha de banco”. Um cúmplice do bandido ficava dentro do estabelecimento observando as pessoas retirarem dinheiro nos caixas. Trabalhei em vários casos, lembro de um: no dia 24 de fevereiro de 2014, o publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, retirou uma quantia grande de dinheiro em um banco de Porto Alegre. A investigação policial concluiu que havia no estabelecimento um ”olheiro” – cúmplice do bandido infiltrado entre os clientes – que relatou ao seu comparsa a retirada de dinheiro feito pela vítima. Kunzler foi assaltado e morto. A repercussão na imprensa dessa morte acabou pressionando a aprovação de uma regra: forçou os bancos a colocarem uma proteção para evitar o monitoramento dos clientes quando eles estiverem sendo atendidos pelos caixas.

Outro problema: a privacidade das informações do consumidor, um direito garantido pela Constituição. Mas desrespeitado todos os dias. Tornou-se rotina a pessoa entrar com a documentação pedindo aposentadoria ao INSS num dia e no outro já começar a receber ligações oferecendo produtos. As informações dos consumidores brasileiros estão à disposição de quem se propuser a pagar. Na luta pela preservação e pela aplicação dos direitos do consumidor, as grandes empresas de comunicação do Brasil têm que dizer de que lado estão.  E as eleições são uma ótima oportunidade de colocar na agenda dos partidos e dos candidatos a questão. Aliás, são raros os parlamentares que defendem os consumidores. No Rio Grande do Sul, eu lembro de um deles, o então deputado estadual Mário Madureira (1986 a 1990, pelo PMDB), que era identificado com a defesa do consumidor (ele não é candidato). Dos anos 90 até os dias atuais, a identificação dos parlamentares, tanto estaduais quanto federais, com os interesses dos consumidores têm sido escassa.

Os  parlamentares podem se dar ao luxo de deixar de lado a luta pelo cumprimento das leis que protegem o  consumidor. As redações não têm esse direito. E as eleições são uma ótima oportunidade de lembrar aos candidatos que eles precisam ter um lado nessa luta.

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