A milionária compra de chicletes e leite condensado é uma casca de banana?

Bolsonaro mandou a imprensa enfiar no rabo a compra milionário de leite condensado e chicletes durante um churrasco com amigos e ministros, quem pagou o almoço? Foto: Reprodução

Toda redação tem uma figura conhecida como “estraga prazeres”. O repórter chega da rua com uma matéria apurada que, na sua opinião, merece ser a manchete do jornal. Assim que começa a escrever, o “estraga prazeres” chega de mansinho, coloca a mão no ombro do repórter, espia o texto na tela e pergunta: “Será?” Não foram uma nem duas. Foram várias vezes que, por conta dessa indagação, fiquei horas e horas verificando o que havia apurado. Em algumas ocasiões, não muitas, fui salvo de dar uma “barriga”. Na maioria das vezes, ampliei e melhorei a apuração como resposta à desconfiança do “estraga prazeres”. Assim que coloquei o olho na história da compra milionária do governo de chicletes, leite condensado, pizzas e refrigerantes, que somam quase 50 milhões, eu lembrei do “estraga prazeres”. Por quê? O governo do presidente Jair Bolsonaro é especialista em espalhar cascas de banana pelo chão para os jornalistas pisarem. Não perde uma oportunidade de chutar as nossas canelas. Ainda ontem, em uma churrascaria em Brasília, mandou os jornalistas “enfiar no rabo” as guloseimas compradas pelo seu governo. O total da compra foi de R$ 2,2 bilhões e o maior volume foi para o Ministério da Defesa.

Vamos aos fatos. A informação é confiável. Ela foi manchete do site de notícias Metrópoles no domingo (24/01). E fonte citada é o Portal da Transparência, que é da Controladoria da União, portanto uma fonte oficial. Mais ainda: ter dificuldades para explicar as compras não é exclusividade do governo Bolsonaro. Outros presidentes já tiveram problemas – há matéria na internet. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) comprou vinhos importados, camarões e lagostas. Desistiu da compra quando ela se tornou pública e houve gritaria da opinião pública. O lógico nessa história era o governo explicar o que está acontecendo. Em vez disso, ele “tentou apagar o incêndio jogando gasolina”. Por quê? Simples. Essa é a primeira vez que o governo Bolsonaro é colocado contra a parede por uma questão concreta, que são os mortos por asfixia devido à falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM). Mais ainda: faltam vacinas para consolidar a vacinação no Brasil graças à política errada do seu governo. O ministro da Saúde, general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, vai ser processado pelos erros cometidos na sua administração. As entidades católicas e protestantes entraram com um documento de 72 páginas na Câmara dos Deputados pedindo o impeachment do presidente devido a sua incompetência em administrar a pandemia causada pela Covid-19. Pelo calibre das lideranças religiosas envolvidas e o conteúdo do documento essa história vai acabar na mesa do papa Francisco, em Roma.

Não tem como ser diferente. A questão da compra dos chicletes e do leite condensado ganhou espaço nos noticiários e empurrou para o canto a história de Manaus. Pelo menos por hora. Isso interessa a Bolsonaro, que é negacionista em relação ao vírus. Mais um detalhe que temos que ficar atentos. O maior beneficiado pelas compras é o Ministério da Defesa. Pelo que sabemos as Forças Armadas não estão envolvidas em nenhuma guerra suja que se conheça. Mas por outro lado Bolsonaro montou um sistema de informações alternativo no governo. Pergunta: por acaso parte desse dinheiro da compra de chicletes, pizza e leite condensado pode ter sido desviado para a manutenção desse sistema de informações particular do presidente? É um assunto que merece a nossa atenção e é de interesse do leitor. Muitos colegas repórteres ainda não se deram por conta. Mas a política de comunicação do governo federal é ancorada nos princípios da guerra de contrainformação, uma estratégia militar que tem por objetivo confundir o inimigo. No caso, o inimigo somos nós jornalistas. Não sei como vai acabar a história das compras dos chicletes e do leite condensado. Mas sei que ela logo será substituída por outra igualmente curiosa que servirá para desviar a nossa atenção do principal, que é a responsabilização do presidente pela confusão do combate à pandemia, que já causou mais de 210 mil mortes ao Brasil.

As cascas de banana espalhadas por Bolsonaro no nosso caminho têm como objetivo nos desviar do assunto principal e nos desmoralizar perante os nossos leitores. Em uma confusão como essa cresce a importância nas redações do “estragar prazeres”, por ser ele a pessoa que sempre desconfia de tudo. Não é agradável alguém desconfiar de uma apuração. Mas é saudável para o bom jornalismo. Antes de arrematar a conversa. Vou explicar para quem não é jornalista o que significa “barriga”. É um termo antigo, que nasceu nos tempos das máquinas de escrever, e é usado com o sentido de dizer que se cometeu um erro na notícia, o pesadelo de todo repórter. Mas acontece. E quando acontece, o melhor é reconhecer o erro e assumir a bronca. Isso faz bem para o bom jornalismo. A nossa transparência perante a nosso leitor é fundamental para sobreviver às cascas de banana espalhadas pelo governo brasileiro.

2 thoughts on “A milionária compra de chicletes e leite condensado é uma casca de banana?

  1. Será que é o “governo Bolsonaro que deixa cascas de banana” ou são os jornalista que comem banana e depois jogam as cascas para pisarem??????
    O jornalista nem se perguntou para quê usavam tanto leite condensado e já foi agredindo o governo como se tudo fosse passado no pão do café da manhã. O leite condensado é uma forma de conservar e transportar leite, isto que salva a vida das crianças nos grotões do país onde não tem geladeira.

    1. Mauri um dos meus sogros era general de Exército e foi o cara modernizou as unidades militares na extensa Floresta Amazônica. Ele me contou das coisas feitas para a sobrevivência das famílias militares nos rincões, como livro do Dr. Dalamare que ensinava as mulheres as doenças e a vida das crianças recém nascidas. Lembro que quando nasceu a minha primeira filha, a sogra (que mandava mais que o general) deu para ela o livro do Delamare (não tenho certeza da grafia). Foi ela que me ensinou sobre a manteiga Avião, que vinha vem em latas para resistir fora da refrigeração. Eu prestei serviço militar obrigatório no 18º Regimento de Infantaria (18º RI), um dos mais duros treinamentos para o infante que existiam no Brasil. Me formei em jornalismo na Fabico (UFRGS). A minha carreira de repórter pode ser pesquisada na internet. Fiz o comentário em respeito a tua pergunta, que agora vou responder. Faz parte da estratégia do governo Bolsonaro jogar casca de banana no caminho dos jornalistas. A estratégia não é nova. Mas foi revigorada pelo americano Steve Bannon que fez a campanha politica do Trump em 2016. E o pessoal do Bolsonaro segue o mesmo receituário. Te agradeço muito a honra da tua atenção.

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