Nas cidades do agronegócio a eleição testará o prestígio do Bolsonaro

Presidente Bolsonaro (a esquerda de chapéu de vagueiro) no início do plantio da safra da soja, em Sorriso (MT). Foto: EBC

Os eleitores dos municípios onde a principal atividade econômica é o agronegócio vão escolher seus prefeitos e vereadores vivendo uma situação de extremos. De um lado, em nenhum momento eles ganharam tanto dinheiro e tiveram tantas ofertas de emprego como no atual, devido ao aquecimento do mercado internacional de grãos e carnes (suína, frango e gado). Por outro lado, nunca estiveram tão ameaçados de perder os seus clientes internacionais em represália à política ambiental do Brasil, principalmente em relação à Floresta Amazônica e ao Pantanal, que estão ardendo em chamas. O responsável por essa situação de extremos vivida por esses eleitores teve deles apoio político e econômico na campanha eleitoral de 2018: Jair Bolsonaro, o presidente da República que consolidou o negacionismo como política de governo no seu discurso de abertura (22/09) da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).

Só para reforçar a questão da ameaça de perda de clientes internacionais. Os grandes fundos de pensão internacionais e varejistas do comércio da Europa já avisaram que vão retaliar caso o governo do Brasil não recoloque nos trilhos a política ambiental. Mais ainda. A China, principal cliente brasileiro de carnes e grãos, vive sendo xingada pelo Gabinete do Ódio, como são chamadas as pessoas que fazem parte do círculo ao redor do presidente. Dito isso, vamos à nossa conversa. Tive a minha atenção despertada na sexta-feira (18/09) quando foi anunciado que Bolsonaro é o primeiro presidente da República a visitar Sorriso, cidade de 90 mil habitantes no norte do Mato Grosso que ostenta o título de Capital Nacional do Agronegócio. O título não é apenas decorativo. Aquela região, conhecida como Nortão do Mato Grosso, concentra cerca de 10 municípios responsáveis por uma fatia considerável da produção de soja do Brasil. Os três principais são Sorriso, Lucas do Rio Verde e Sinop, que até uma década atrás era um polo madeireiro.

Uma curiosidade sobre Sorriso. Os primeiros moradores eram colonos gaúchos descendentes de italianos. No início, só havia uma linha telefônica muito precária que atendia à cidade. Então, quando os migrantes ligavam para os seus parentes do Sul, que perguntavam que tipo de cultura dava para plantar por lá, eles respondiam: “Só riso”. Riso, em um dos dialetos falados pelos descendentes de italianos no Rio Grande do Sul, significa arroz. Daí ficou Sorriso. O outro município que Bolsonaro visitou, Sinop, foi povoado por colonos sulistas que pregaram em uma árvore uma placa com esse nome, que na verdade é um acrônimo formado pelas iniciais da empresa colonizadora do local. Essas histórias me foram contadas pelos pioneiros que povoaram o Nortão, no final da década de 60, quando tudo aquilo lá era uma fronteira agrícola, como eram chamadas pelo governo federal as áreas despovoadas do Centro-Oeste e do Norte. Um dos focos da minha carreira de repórter são as migrações. Descrevi o povoamento das fronteiras agrícolas em várias reportagens e em três livros – os títulos estão disponíveis na internet. Portanto, assisti ao nascimento, ao crescimento e à consolidação do agronegócio no Brasil.

O povoamento das fronteiras agrícolas deu-se a partir dos anos 50, quando agricultores gaúchos começaram a procurar terras baratas para comprar para os filhos. E foi turbinada nos anos 60 e 70 pelos militares que haviam assumido o poder em 1964. Lembram da história do “só riso”? Nas primeiras décadas do povoamento, a única cultura que se adaptava às fronteiras agrícolas era o arroz do seco, ou arroz sequeiro, que tem qualidade inferior ao que é plantando em áreas alagadas no Rio Grande do Sul. Em 1973, quando explodiu nos mercados internacionais o preço da soja, quase houve uma debandada geral dos agricultores das fronteiras agrícolas de volta às terras do sul do Brasil. Por quê? A soja só se adaptava ao clima do Rio Grande do Sul e a algumas áreas no oeste de Santa Catarina e do Paraná. Foi quando Romeu Kiihl, cientista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desenvolveu uma semente de soja adaptada para o clima das fronteiras agrícolas. Conversei com ele várias vezes. Merece o apelido de “Pai da Soja”. Ele não só salvou as fronteiras agrícolas como ergueu um dos pilares do agronegócio brasileiro.

Voltei na história por considerar importante saber como tudo começou, principalmente para o jovem repórter que está na louca correria das redações municiando os conteúdos dos noticiários diários dos jornais (sites), rádios, TVs e outras plataformas. Atrevo-me a fazer uma correção àquilo que dizem meus colegas especializados em economia. O meu atrevimento é lastreado no profundo conhecimento que tenho do setor e no currículo profissional. Pela maneira como se fala, parece que o agronegócio refere-se apenas aos produtores de soja. Não é. Ele inclui os agricultores familiares, que produzem frangos e suínos de forma integrada com as agroindústrias de grandes grupos empresariais da iniciativa privada e de cooperativas. Essas agroindústrias geram milhares de empregos e exportam produtos industrializados para os quatro cantos do mundo. Eu já assisti. Quando uma agroindústria quebra, a cidade vai junto para o saco, porque a maioria delas funciona em pequenos e médios municípios do interior.

A minha última grande viagem para as antigas fronteiras agrícolas foi em janeiro de 2019. Fiquei uns 12 dias viajando. Vi muita gente comemorando a vitória de Bolsonaro. Em 2011, andei por lá e também encontrei muitos aplaudindo a vitória de Dilma Rousseff, candidata do PT, apoiada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2019, eu sentei com um amigo dono de uma rádio no Mato Grosso do Sul e conversamos sobre as eleições de 2018. Na nossa conversa lembramos que os povoadores daquelas fronteiras são os sobreviventes dos pequenos e médios produtores que saíram da miséria em que viviam no Rio Grande do Sul e apostaram tudo que tinham na possibilidade de uma nova vida. Portanto, a questão ideológica passa muito longe da avaliação que fazem na hora de escolher a quem apoiar. Eles apoiam quem é bom para os seus negócios. Lula entendeu essa realidade. Liguei ontem (26/09) para esse meu amigo radialista para falar sobre a ida de Bolsonaro a Sorriso. Depois da conversarmos sobre o nosso time, o Internacional, perguntei para ele sobre a visita do presidente. Ele acredita que “os caras do Centrão” colocaram Bolsonaro na real. E qual é a real? Eles apoiam quem é bom para os negócios. Podem até ser simpáticos às ideias ideológicas do candidato. Mas a preservação do negócio vem na frente.

Arrematando a conversa. Se o presidente Bolsonaro foi a Sorriso dizer que vai dar um jeito no seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ele elege o próximo prefeito. De certa maneira, no passado os agricultores do Nortão do Mato Grosso ganharam dinheiro no mercado da madeira e do garimpo ilegal. Hoje não precisam mais disso. E quem está envolvido com essas atividades atrapalha os negócios dos agricultores, porque prejudica a imagem do agronegócio. É por aí, podem apostar.

Deixe uma resposta