A investigação sobre a Concepa é o fio da meada que conduz à caixa-preta dos pedágios no Rio Grande do Sul? Tem grandes possibilidades de ser. A Triunfo Concepa é a empresa concessionária que administrou nas últimas duas décadas o trecho da BR-290 entre Eldorado do Sul e Osório. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) acusaram a empresa de maquiar os relatórios de custos e fraudar os consertos na rodovia, usando material de baixa qualidade. No seu relatório, o TCU acrescentou escutas telefônicas, feitas com autorização da Justiça pela Polícia Federal (PF), de conversas de diretores da empresa falando sobre fraudes. O destino dos diretores da Concepa está nas mãos da PF. A revelação das acusações contra a empresa, pela primeira vez, abriu uma fenda para se enxergar como funciona o obscuro mundo das empresas concessionárias de rodovias no Brasil, em particular no Rio Grande do Sul. Em 1998, o então governador Antonio Britto (MDB) autorizou o funcionamento de sete polos rodoviários de pedágio, que somavam 40 estações de cobrança. Vencidas as concessões das estradas, as dúvidas sobre como funcionavam essas empresas e quem eram seus donos ainda despertam a curiosidade do gaúcho.
Antes de seguir contando a história. O que une as concessionárias das rodovias federais, como a Concepa, que respondiam ao governo federal, e as que prestavam contas ao Estado? O modo de operar, como se relacionavam com os órgãos fiscalizadores, a estruturação do lobby para convencer os usuários e a imprensa que eram a salvação e a tecnologia de mascarar os consertos. A ação do lobby foi facilitada pela polarização do assunto dos pedágios entre a população. Não tinha muro. Ou era contra, ou a favor. Lembro da disputa pelo governo do Estado entre Britto e Olívio Dutra (PT): a questão dos pedágios teve uma forte influência no resultado. “Britto é o pedágio, Olívio é o caminho”, dizia um dos slogans da campanha. Olívio se elegeu ( 1999 a 2003). Os leitores levaram para dentro das redações essa polarização. E as concessionárias se apresentaram ao colocar anúncios na mídia.
A polarização da discussão sobre a existência ou não dos pedágios era chamada de grenalização – termo do jargão dos repórteres esportivos para descrever a disputa entre o Inter e o Grêmio. Mas a quem serviu essa polarização? Às concessionárias, porque o foco das reportagens era sobre a qualidade da estradas, os serviços prestados e a contribuição que as estações de cobrança dava às finanças da s cidades em que estavam localizadas. Depois do Britto, vários governadores tentaram, sem sucesso, renegociar as tarifas cobradas pelas concessionárias. Na opinião de juristas, os contratos entre as concessionárias e o governo do Estado eram perfeitos. Agora o caso da Concepa está mostrando que o maravilhoso mundo que as concessionárias vendiam para os usuários,, na verdade, era feito de papel, tanto que o asfalto da freeway está se desmanchando. Como repórter, eu sempre viajei muito. E lembro que as rodovias gaúchas concedidas começaram a ter problemas no dia seguinte ao fechamento dos pedágios. Na ocasião, o fato passou batido pela mídia. Mesmo a Agência Estadual de Regulamentação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS) foi discreta sobre o assunto. Sobre o que aconteceu durante a concessão das estradas gaúchas às concessionárias, há um relatório que contém informações básicas sobre o assunto, de 2012, da Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, assinado pelo relator, deputado Gilmar Sossella (PDT).
A história dos pedágios foi mal contada. E o seu esclarecimento é fundamental para o que vem por aí, com o programa de ampliação das concessões do governo federal e do Estado. É aqui que o trabalho do repórter entra. Essa história precisa ser reescrita. A maioria dos técnicos que ajudaram a implantar os polos no governo Britto ainda anda por aí, há documentos públicos que podem ser consultados. Ou seja: temos material para trabalhar. Ser contra ou a favor dos pedágios é uma coisa. Esclarecer como os contratos foram feitos e fiscalizados é outra coisa. O lado em que o nosso leitor irá ficar é problema dele. O nosso dever é informá-lo sobre o que acontece, uma ajuda que pode evitar que ele compre gato por lebre, como diz o dito popular para definir o estelionato, um crime contra o patrimônio do usuário, no caso. Aliás, a Concepa ganhou na Justiça uma liminar para voltar operar os pedágios.