O Rio Grande do Sul foi sitiado pelas facções

As facções montaram uma espécie de shopping center para o abastecimento das quadrilhas em armas, munições, explosivos e carros clonados. Foto: Polícia Civil/ reprodução

Separadas por 240 quilômetros de distância, ao lado da BR-386, que corta o Rio Grande do Sul do Sul ao Norte, as cidades agrícolas Fontoura Xavier e Erval Seco, na madrugada de quarta-feira, tiveram os caixas eletrônicos das agências do Banrisul, explodidos por bandidos fortemente armados, articulados e desaforados. Em Fontoura Xavier, fizeram disparos contra o prédio da guarnição da Brigada Militar (BM). Hoje os moradores das pequenas cidades agrícolas são reféns dos bandos armados que roubam os caixas eletrônicos. A tal ponto que o comércio varejista dessas localidades vem fechando as suas portas, porque os bancos estão indo embora.  Até aparecerem esses bandos, em cidades como Fontoura e Erval, eles só saíam no noticiário quando acontecia alguma coisa de muito especial, por exemplo: em Erval, em 1987, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) montou um acampamento lá. Em Fontoura, em 2010, um morador da região ganhou sozinho um prêmio da Mega Sena de R$ 119 milhões. Como a situação chegou a esse ponto?

A resposta para essa pergunta se encontra na série de reportagens publicadas pelo jornal Zero Hora chamada “O poder das facções”, do GDI, grupo de jornalismo investigativo. A reportagem é assinada por dois experientes repórteres na geografia do crime nos países do Cone Sul, Humberto Trezzi e Adriana Irion. A matéria liga os pontos, por exemplo: quem vendeu armas, quem comprou e quem apertou o gatilho durante um assalto. Mais ainda: mostra como as facções criminosas se alastram pelo Rio Grande do Sul. Também mostra a diversificação e a verticalização dos negócios das facções. Um dos negócios é a locação de armas, a venda de explosivos e carros clonados usados nos assaltos pelos bandos, como esses que atacam os caixas eletrônicos. A dedução é minha. Sem a logística oferecida pelas facções, a polícia já teria derrubado os assaltantes de caixas eletrônicos.

Há uma matéria da série que é particularmente muito interessante, que é a “PMS ligados ao tráfico de drogas da Capital”. Aqui, a observação é minha. Os bandos que lidam com assaltos a carros-fortes, caixas eletrônicos e bancos precisam tanto da arma quanto de informações privilegiada sobre o fluxo de dinheiro. Os brigadianos têm acesso a esse tipo de informação, principalmente os que têm ligações com os vigilantes das empresas de segurança. Há outra informação na reportagem que merece atenção dos jovens repórteres. Ela fala que, a exemplo do modo de agir dos milicianos cariocas, as facções gaúchas estão ganhando dinheiro fornecendo serviços para as comunidades pobres, tipo segurança, entrega de correspondência, gás e outras coisas. A interpretação agora é minha. Em todos os noticiários, sempre costumamos explicar as mortes entre quadrilheiros como luta por pontos de drogas. É muito mais que isso. O ponto de drogas é um dos negócios. O dinheiro grosso vem dos serviços que vendem à comunidade. Também há outra expressão que usamos muito que é a do Estado Paralelo – quando os bandidos determinam o que a comunidade deve ou não fazer. É muito mais grave que isso. Como se fossem uma tropa estrangeira, os bandos isolam as comunidades pobres do resto do país. É como se fundassem um “Estado Bandido”.

Para os jovens repórteres, essa reportagem é uma atualização de como o crime está funcionando no Rio Grande do Sul. As informações são importantes para poder entender quais os reais motivos que movem a briga entre os quadrilheiros. E para também entender os motivos pelos quais a polícia vem colecionando um fracasso atrás do outro na luta contra os bandidos. Aqui, a interpretação é minha.  Enquanto as facções têm nos negócios a destreza de uma empresa moderna, a polícia age de maneira amadora. Não existe um real trabalho de colaboração entre os serviço de inteligência da Brigada Militar, da Polícia Civil e da Polícia Federal (PF). Não é possível posicionar um pelotão de brigadianos em cada uma das pequenas cidades gaúchas. Mas é possível descobrir quando irão acontecer os ataques, usando o serviço de inteligência. Uma leitura atenta da reportagem mostra essa realidade. Durante os anos que trabalhei em redação (1979 a 2014) sempre  li, ouvi e vi os noticiários para saber se não tinha  levado um furo de um colega. Hoje, eu vasculho dos noticiários com os olhos do leitor. E tenho dito nas palestra que faço ´para jovens repórteres e nos jornais do interior que  o leitor todos os dias ao abrir o jornal, ligar a Tvs a cabo ou o rádio se faz a seguinte pergunta:

_ Devo continuar sendo assinante?

´Daí a importância de investir tempo e dinheiro em reportagens como  “O poder das facções”.

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