Como dizem os meus colegas repórteres da cobertura policial. No papel – no inquérito policial – está desaparecida a professora Cláudia Hartleben, do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Cláudia passou o último minuto conhecido da sua vida na casa de uma amiga, na noite de 9 de abril de 2015. A partir do momento em que ela deixou a casa, nunca mais foi vista. Sumiu como se nunca tivesse existido. Tinha 47 anos. O inquérito policial que investigou o caso indiciou o filho e o ex-marido dela pelo desaparecimento. No entanto, a investigação não conseguiu provar a ligação deles com o sumiço da professora e o inquérito deu em nada. O que aconteceu com a professora Cláudia?
Essa pergunta nós repórteres não podemos deixar cair no esquecimento, principalmente os colegas que trabalham nos jornais (papel e sites), rádios, TVs e outras plataformas em Pelotas. Ninguém desaparece sem deixar vestígios. Em algum lugar há uma prova. Eu conversei sobre o caso da professora com policiais civis que considero altamente qualificados na arte da investigação. Existe um melindre entre os policiais em opinar sobre o trabalho de um colega. Por isso, não pedi a opinião deles sobre a investigação feita em Pelotas. Mas sobre técnicas de investigação que podem ajudar a esclarecer o caso. Esse tipo de crime, quando não é resolvido nas primeiras 72 horas, dificilmente é solucionado. Trata-se de um crime premeditado. Portanto, o autor acredita ter pensado em tudo, explicou um delegado que durante muitos anos investigou homicídios na Grande Porto Alegre. Ele me aconselhou: “Olha, quando o caso parece não ter mais solução, a saída é esmiuçar o último minuto conhecido da vida da vítima e recuar no tempo na busca do motivo do crime. Se não conseguimos descobrir o que aconteceu depois que ela se despediu da amiga, então vamos nos concentrar no que sabemos.”
O caminho de volta ao passado de Cláudia vai colocar a investigação cara a cara novamente com os suspeitos pelo desaparecimento. Aqui é o seguinte. Faz parte da técnica da investigação: sempre que uma das pessoas do casal desaparece ou morre, a outra é suspeita. No caso da professora, havia dois suspeitos: o ex-marido e o novo companheiro dela. Por que a polícia apostou as suas fichas no ex-marido? Uma das circunstâncias que o ligou ao caso foi um comentário que ele fez prometendo que Cláudia iria desaparecer. Muitas coisas são ditas em briga entre ex-marido e mulher. A maioria xingamentos que somem com o tempo. Mas a ameaça do ex-marido acionou um sino na cabeça dos policiais. Por quê? Simples, contou-me um professor da Academia de Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Ele me lembrou que antigamente era muito comum, principalmente nos sertões nordestinos, um cacique político mandar um pistoleiro matar o seu adversário. E tornar público que foi ele quem mandou matar, para mostrar o que aconteceria com quem o desafiasse. Os investigadores apostaram que o comentário feito pelo ex-marido da professora era uma demonstração do que aconteceria com ela se o desobedecesse. Os policiais não conseguiram provar a sua tese por vários motivos, mas dois em particular: o primeiro, e o mais importante, é que não existe um corpo. E o segundo é que a investigação não encontrou evidências que ligassem o ex-marido ao desaparecimento de Cláudia. É preciso recuar mais no tempo do relacionamento do casal para entender melhor a situação. Mas uma coisa é certa. Até o caso ser esclarecido o ex-marido será o eterno suspeito. Apenas o esclarecimento irá solucionar essa questão.
Em síntese foi isso que resultou da conversa que tive com amigos próximos da professora e alguns dos seus parentes. Não foi uma entrevista. Foi uma conversa difícil, porque despertou sentimentos causadores de sofrimento. Espero ter iniciado uma oportunidade de no futuro aprofundar mais a conversa. Tenho experiência em tratar com familiares de pessoas desaparecidas. No dia 4 de setembro de 2018, fiz o post “Procurados vivos ou mortos”, listando mulheres, entre elas Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses, desaparecida em Três Passos, e a comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, que sumiu acompanhado do filho Gabriel, sete anos, em 2005, em Porto Alegre. Os casos dessas três mulheres têm em comum o fato de ter como principais suspeitos seus ex-companheiros. Na lida da reportagem, aprendi que muitas vezes a solução dos casos são tão óbvias que a gente não enxerga. A ausência de cadáver não pode ser sinônimo de impunidade. A investigação existe para juntar evidências. Meus colegas repórteres, a investigação policial e a jornalística têm as suas diferenças de técnicas e objetivos. Mas são águas de um mesmo rio que correm para o mesmo lugar: o mar. É simples assim.