Operador de telemarketing tem o direito de lutar pelo emprego

Operador de telemarketing precisa ser respeitado na execução do seu trabalho. Foto: Reprodução

Um dos raros consensos entre os brasileiros é que os operadores de telemarketing nos importunam com suas ligações nos piores momentos dos nossos dias e noites tentando nos vender produtos e serviços. Mesmo aqueles que conseguem cancelar o recebimento dessas chamadas acabam recebendo. Entre nós jornalistas existe o hábito de atender ligações telefônicas sem verificar antes quem está ligando. Faz parte da profissão. Lembro que não foram uma nem duas, mas dezenas de vezes que acabei atendendo ligações de um operador de telemarketing justamente no momento em que aguardava um telefonema importante de uma fonte para fechar uma matéria. Todos concordamos que eles são uns chatos. Mas como repórteres precisamos ouvir o lado deles nessa história. Recebi essa recomendação de uma jovem mãe de um rapaz que conseguiu o primeiro emprego da sua vida como operador de telemarketing.

Durante a conversa ela me “colocou uma pilha na cabeça” interessante. Lembrou-me que as empresas de telemarketing são concorrentes dos grandes grupos de comunicação no mercado publicitário. Não é por outro motivo, na opinião dela, que a imagem do operador de telemarketing leva tanta bordoada. Argumentei que não desconhecia a concorrência e muito menos como as empresas de comunicação tratam os adversários comerciais. Mas que eles são uns chatos, isso são. Andei conversando com fontes na área de empregos e lendo sobre o assunto. Descobri que existem mais de 1,5 milhão de operadores de telemarketing no Brasil. O setor teve o seu auge em 2010, quando a economia estava em alta. De lá para cá o mercado de trabalho vem encolhendo por três fatores: o primeiro, e mais importante, foi a recessão que se instalou no país em 2016. O segundo foi a lei que proibiu ligações para as pessoas que se cadastrarem avisando que não querem ser incomodadas. E, por último, a substituição do operador humano por robôs. Mesmo assim, o setor continua sendo uma porta de entrada para o mercado de trabalho importante para jovens e pessoas com pouca formação técnica.

Tenho lembrado nas conversas com alunos das faculdades de jornalismo e colegas nas redações dos jornais do interior que precisamos ter cuidado ao repetir nas nossas matérias informações que se cristalizaram no nosso meio e nunca fomos verificar se eram verdadeiras ou não. Simplesmente as ficamos repetido nos textos. Isso vale para os operadores de telemarketing. Concordamos que são uns chatos. Concordamos que o direito do consumidor de não ser incomodado precisa ser respeitado. Mas não podemos esquecer que são trabalhadores lutando com unhas e dentes para manter os seus empregos. Digo isso por conta dos desaforos que eles ouvem. Muita gente não se limita a não atender a ligação ou simplesmente dizer um “não me interessa”. Mas humilha o trabalhador como se ele fosse o dono da empresa. Ele é apenas um empregado que está ali trabalhando, e se não cumprir a sua cota diária de ligações será demitido. E o dono da empresa não terá problemas para conseguir um substituto, porque há uma abundância de mão de obra disponível no mercado. Lembro que o Brasil hoje tem 15 milhões de desempregados e mais uns 5 milhões de desalentados, que são aquelas pessoas que cansaram de procurar trabalho. Dentro de uma realidade dessas, quem tem emprego luta com unhas e dentes por ele.

Não sou ingênuo de acreditar que as pessoas vão começar a ser educadas com os operadores de telemarketing porque um repórter lembrou que eles são trabalhadores e merecem respeito. Ninguém dá bola para esse tipo de assunto. Agora, não significa que nós jornalistas não possamos começar a chamar a atenção em nossas matérias para esse lado dos trabalhadores de telemarketing. Digo mais. Se simplesmente pararmos de chamá-los de chatos nas nossas matérias já será um avanço. Há colegas que simplesmente os tratam como se fossem bandidos. O país vive dias muito complicados. E as pessoas estão com os nervos à flor da pele. E sendo instigadas a fazer bobagens a todo o minuto por uma poderosa máquina de fabricar fake news que se espalha pelos quatro cantos do país. Nos dias atuais no Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), vai para as redes sociais falar mentiras na maior cara dura, como é o caso das vacinas para crianças de cinco a 11 anos que foram liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Tenho uns 40 e tantos anos na lida de repórter e nunca havia visto uma coisa dessas. O presidente do país mentir. Pergunto. Qual o dano que produzirá nas pessoas um ambiente como o de hoje? Essa história não vai ter um final feliz. Há muita raiva, mágoa e ressentimento acumulado nas pessoas. Temos mais de 600 mil pessoas mortas pela pandemia causada pela Covid-19. Muita gente que morreu não precisava ter morrido se o governo não tivesse sido relapso na compra das vacinas.

Dentro de uma realidade como essa, uma ponta de cigarro acessa jogada fora é suficiente para começar um grande incêndio. Não adianta xingar o operador de telemarketing. Como já disse, ele não é o dono da empresa. O operador é apenas um trabalhador lutando com unhas e dentes para manter o seu emprego. Que se processe então a empresa pela importunação. Essa linguagem o mundo dos negócios entende. Pelo avanço acelerado na invenção de novas tecnologias de comunicação logo o operador vai deixar de ter serventia e será substituído por uma máquina que logicamente não ficará magoada com os desafores que serão ditos para ela.

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