No caso do surto de toxoplasmose em Santa Maria, o comportamento das autoridades municipais precisa ser examinado como um capítulo à parte. A maneira como estão conduzindo o caso mostra que não aprenderam as lições deixadas pela tragédia da Boate Kiss, um casarão velho que foi reformado sem obedecer normas técnicas. Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, mais de mil jovens, a maioria universitários, divertiam-se quando houve um incêndio que matou 242 pessoas e deixou outros 600 feridos. O inquérito feito pela Polícia Civil somou 13 mil páginas, ouviu 810 pessoas e responsabilizou pelo incêndio 28 pessoas, sendo que secretários e servidores municipais foram indiciados criminalmente. E outros 12 servidores municipais foram relacionados como possíveis responsáveis, entre eles o prefeito da época, Cezar Schirmer (MDB) – hoje secretário da estadual da Segurança Pública.
A principal lição que a Kiss deixou se resume a duas palavras: agir preventivamente. Como mostrou a investigação policial, era do conhecimento das autoridades municipais que adaptações tinham sido feitas no prédio. A Kiss era um monte de palha molhada com gasolina a esperava que alguém acendesse um fósforo, lembro ter ouvido essa descrição de uma autoridade municipal durante os 45 dias que fiquei trabalhando no caso em Santa Maria. Foram processados como autores da tragédia os dois sócios, Elissandro Spohr (o Kiko) e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Claro que há uma atenuante nesse caso. Nem os proprietários, os músicos, as autoridades municipais, o Corpo de Bombeiros e os jovens que lotavam a casa duas vezes por semana tinham como imaginar o que aconteceu. Muito embora existissem as condições para o incêndio, ninguém poderia imaginar que houvesse uma tragédia como a que aconteceu.
Já o caso do surto de toxoplasmose é diferente: a doença está na rua e atacando as pessoas há mais de 90 dias e, até agora, não foi descoberto o foco de contaminação. E desde o início do problema, o comportamento das autoridades municipais tem sido dificultar o acesso a informações para os jornalistas e agir sem transparência. Não é por outra razão que, na semana passada, um grupo de médicos entregou um documento ao Ministério Público Federal (MPF), alertando para a gravidade da situação: falam que existem 600 casos. As autoridades municipais admitem 352 casos. Mesmo que fosse apenas uma dezena de casos, já era motivo para acender a luz vermelha aos responsáveis pela área de saúde pública na Prefeitura Municipal. A toxoplasmose é uma doença que pode prejudicar até as futuras gerações. Mais ainda: aprendi nesses 40 anos como repórter que qualquer coisa fora da rotina em saúde pública é motivo para tocar o alarme. Os jornais da cidade e de Porto Alegre têm insistido no assunto. Aqui quero fazer uma reflexão com os meus colegas repórteres. Nas palestras que faço nas faculdades de jornalismos, nos pequenos jornais do interior do Brasil e nas conversas que tenho com movimentos sociais e pastorais, sempre falo que a maior escola de reportagem é o que acontece no dia a dia da comunidade. Em Santa Maria, tem duas faculdade de jornalismos, e o modo como a administração do prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) vem conduzindo o caso do surto é uma chance para os estudantes e professores conversarem sobre reportagem.
Dependendo de como vai terminar essa história, ela pode virar um caso de polícia. Aliás, o MPF já está no assunto. E no final , a exemplo do que aconteceu com o Schirmer, Pozzobom pode ser responsabilizado por ser o prefeito. Lembro que a administração de Schirmer só foi tomar consciência do tamanho do rolo e da sua responsabilidade com o andar das investigações. Mas, diferentemente do incêndio da Kiss, que teve início, meio e fim, o surto teve um começo, mas ninguém sabe como irá terminar.
é verdade, e eu sempre busco informações atualizadas sobre este caso e sempre acabo avaliando o jornalismo como “médio pra baixo”. no entanto, me pergunto sempre: por que os jornalistas que estão ali, presentes nas coletivas, não fazem as perguntas certas? o que acontece para o jornalista ficar “paralisado” e esperar os dados oficiais?
A tua observação é correta. Vou te contar uma pequena história. Na última década o repórter passou a ser “multimídia”, ou seja: ele faz texto (jornal escrito e site), imagem(vídeo), sonora (rádio) e faz várias pautas por dia. Acrescento que o seu salário é um dos mais baixos já pagos para a categoria.