O acerto que o governo federal fez com os caminhoneiros, que colocou fim à greve, não vai funcionar se não houver um entendimento com os postos de combustíveis, que estão organizados em pequenos cartéis. Não adianta o governo ameaçar com multas pesadas, polícia e até tanque de guerra na porta dos estabelecimentos. Se não houve acerto, o acordo vai ruir, e a possibilidade de uma nova greve de caminhoneiro é real. Até o ex-presidente da Petrobras Pedro Parente, 65 anos, implantar a política de oscilação dos preços dos combustíveis aos preços internacionais acontecia uma grita geral da população, sempre que o mercado varejista de combustíveis, incluindo o gás de cozinha, aumentava os preços. Junto subiam fretes, passagens de ônibus e preços dos restaurantes.
Na teoria, a política de oscilação dos preços funcionária nos dois sentidos: os preços subiriam e baixariam. A Petrobras praticou essa política. O comércio varejista, não. Os preços só subiram e não baixaram. Por desconhecimento, dolo ou arrogância, Pedro Parente implantou a política sem levar em conta a maneira como o comércio varejista de combustíveis funciona. Deu no que deu. Uma baita greve. Pedro Parente, o artífice de todo o rolo, pegou o boné dele, pediu as contas e foi embora, deixando para trás um enorme prejuízo para os acionistas da Petrobras e os brasileiros, que amargaram com 11 dias de desabastecimento de alimentos e combustíveis. Agora é a vez de o governo federal tentar a sua sorte com o comércio varejista de combustíveis, que não foi chamado para a mesa de negociação do acordo que colocou fim à greve dos caminhoneiros. Durante todo o tempo das negociações – tem uma vasta quantidade reportagens disponíveis na internet –, os postos de combustíveis foram tratados com arrogância e ameaças pelo governo. Nas últimas semanas, aqui e ali, lideranças do comércio varejista e de combustíveis, incluindo o gás de cozinha, têm dado declarações na mídia de que não negociam bem assim como o governo pensa. Nas entrelinhas do que eles falam, dá para ver o tom de ameaça. Eles têm lembrado que caminhão carregado com tanque vazio não anda.
Para o desconto de R$ 0,41 por litro de diesel, dado pelo governo, chegar até o caminhoneiro, há um longo caminho a percorrer. E esse desconto só irá percorrer esse caminho com negociação. Não com ameaças de polícia e multa. Isso tem sido dito pelo comércio varejista. E qualquer repórter em inicio de carreira sabe que os comerciantes estão falando sério. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres velhos e os novatos. Nas redações, a gente sabe que existe um cartel operando os preços dos postos de combustíveis. Só que é difícil provar. Nos 40 anos em que trabalhei em redação, eu me lembro de ter conseguido denunciar dois ou três cartéis. Mesmo as policiais (Civil e Federal) e o Ministério Público (estadual e federal) têm enormes dificuldades de provar a existência dos cartéis. Por que existe essa situação? Pela maneira como se organiza o cartel. Ele não tem um comando único. Os 42 mil postos de combustíveis existentes no Brasil não obedecem a um comando único para estabelecer os seus preços. Não é assim que funciona. O cartel é local. São donos de postos de uma região da cidade, ou das estradas que cortam o país, que se organizam e estabelecem preços semelhantes. Por exemplo. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde vivem 2 milhões de habitantes em 19 cidades, existem em atividade cerca de 400 postos. Há, pelo menos, uns 50 cartéis atuando. Eles estabelecem os preços em suas regiões. E quem não obedecer tem problemas de segurança no seu comércio. Lembro de várias vezes ter tido longas conversas com donos de pequenas redes de varejo de combustíveis sobre o assunto. Foi nessas conversas que formei a certeza de que são os organizadores desses cartéis que dão as cartas nas entidades de classe. A maioria dos presidentes dessas entidades são fantoches deles. Aqui quero partilhar um conhecimento meu. Pela natureza das minhas reportagens – conflitos agrários, quadrilhas de fronteira e crime organizado –, sempre viajei muito de carro. E nos tempos em que não existia celular, eu tinha uma agenda com muitos nomes de proprietários de postos de combustíveis espalhados pelo país. Sempre que dava um rolo na região, eu consegui dar um furo porque ligava para eles para descobrir o que realmente estava acontecendo. Conservo e ainda uso essa agenda para conversar com eles – muitos foram substituídos pelos seus filhos. No início da semana, quando o governo federal reforçava a sua ameaça de usar a polícia contra para fazer chegar os descontos ao bolso do caminhoneiro, um proprietário de um posto do interior de Mato Grosso me ligou. Depois de conversa sobre futebol, ele é um “gremista doente”, ele me alertou para um problema que está por vir: a compra de diesel pelos agricultores para preparar a próxima lavoura de milho e soja. Essa compra deve começar nos próximos 60 dias. Se, até lá, o governo não negociar com o comércio varejista de combustíveis, “vai dar rolo”, alertou o amigo gremista.
Fato. Se o governo federal cometer o mesmo erro que Pedro Parente cometeu, de ignorar a força dos cartéis do comercio varejista de combustível, e continuar ameaçando o setor com polícia e multas, nós estamos ferrados. O nosso papel como repórteres é alertar o governo, que não está tratando com um bando de babacas. Mas com um dos setores mais organizados do comércio varejista do Brasil. Se não acreditar, olha as placas dos preços dos postos de combustíveis. É por coincidência que os postos da mesma região tenham preços iguais?