Vazamento da Operação Furna da Onça coloca em risco a credibilidade da Polícia Federal

Agentes e delegados sempre sabem o que rola na delegacia portanto não é difícil esclarecer se houve ou não vazamento na PF do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

Não li em lugar algum e muito menos ouvi o relato de alguém. Como repórter, eu fui testemunha do árduo trabalho feito pelas entidades de classe dos agentes, delegados e técnicos científicos da Polícia Federal (PF) nas últimas três décadas para tornar a instituição um símbolo de trabalho limpo e sério. Todo esse trabalho corre o risco de desmoronar caso a denúncia do empresário carioca Paulo Marinho não seja esclarecida. Marinho é ex-aliado político do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Ele denunciou que um dos filhos do presidente, Flávio, em 2018, quando era deputado estadual do Rio, foi avisado por um delegado da PF sobre a Operação Furna da Onça, que prendeu vários deputados. No caso de Flávio, o seu então assessor, o PM da reserva Fabrício Queiroz, é acusado de ter se envolvido com um esquema de “rachadinha” – pegava uma parte do salário dos funcionários do gabinete de Flávio. Aqui é o seguinte. Tem a disputa política entre a família Bolsonaro e o empresário Marinho e os indícios sobre a denúncia. Isso é assunto que a investigação policial irá resolver. A parte que cabe à PF é esclarecer de maneira imediata a denúncia de vazamento sobre a Furna da Onça. Por que a pressa? Simples, vamos explicá-la enfileirando os fatos.

Em nenhum outro momento o cotidiano da população brasileira foi tão complicado como é o atual. O país vive uma emergência sanitária. O coronavírus se instalou no Brasil e até a tarde desta quarta-feira (20/05) já matou 18.130 pessoas e contaminou 275.382. No mundo foram 328 mil óbitos, com 5 milhões de contaminados e 2 milhões de pessoas que conseguiram se recuperar da doença. Os caixões com as vítimas do vírus fazem parte dos noticiários das TVs. Bem como as filas de espera dos pacientes que estão morrendo por falta de leitos nas emergências do Rio de Janeiro. No meio dessa confusão, o presidente Bolsonaro apaga fogo com gasolina produzindo crises diárias, entre elas a disputa com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro – há uma abundância de reportagens disponíveis na internet.

Dentro desse contexto, a PF não pode ser parte do problema. Ela precisa estar do lado dos que buscam a solução. Daí a importância de solucionar a questão do vazamento. Todo repórter que trabalha com matéria investigativa sabe que, dentro das organizações policiais, todos sabem o que se passa. Portanto, esclarecer a denúncia não deve ser um trabalho muito demorado. Antes de seguir adiante, quero falar o seguinte. A PF foi criada em 1944 como polícia judiciária do governo federal. Durante o Regime Militar (1964 a 1985), a instituição foi usada para espionar os brasileiros. Comecei a trabalhar em redação em 1979 e por ter focado a minha carreira de repórter em conflitos agrários (sem-terra, fazendeiros, garimpeiros e índios) fui chamado na PF, em Porto Alegre (RS), algumas vezes para dar explicações sobre as minhas reportagens. Nos confrontos entre sem-terra e fazendeiros, a preocupação dos agentes da PF era encontrar nas barracas dos campesinos livros “subversivos”. Na época, a maioria das superintendências foi ocupada por coronéis do Exército. No Rio Grande do Sul, o coronel Luiz Makson de Castro Rodrigues (falecido em 2004), especializado em espionagem e torcedor “doente” do Grêmio, ocupou o cargo de 1977 a 1995.

Nos anos seguintes à redemocratização do país, em 1985 a corregedoria – a polícia da polícia – processou e conseguiu expulsar do quadro de funcionários da Polícia Federal vários delegados e agentes envolvidos com contrabandistas e outros tipos de criminosos. E os representantes da categoria conseguiram ganhos salariais significativos. Hoje a carreira na PF é disputada pelos jovens e é motivo de orgulho para uma família ter um policial federal entre os seus filhos. Voltando a contar a história. O que os agentes, delegados e técnicos científicos da PF precisam ter como norte é que muitos dos seus colegas deram suas vidas e seus empregos pelo status atual que eles possuem. Aos meus jovens colegas repórteres eu digo uma coisa: o chefe de uma organização policial fazer política dentro do governo na disputa por verbas e equipamentos para a sua área é do jogo. E acontece em todos os cantos do mundo. Mesmo nos países com regimes totalitários. O que não é do jogo é usar informações como moeda de troca. Isso é crime.

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