O fechamento do postinho de saúde nas vilas vai aumentar a violência em toda a Porto Alegre

Em muitas vilas, o postinho de saúde é a única presença da prefeitura na comunidade. Foto: PM/Divulgação

Constrange a miopia da grande imprensa gaúcha de não ver que o fechamento dos postinhos de saúde nas vilas populares de Porto Alegre vai aumentar o poder das quadrilhas de traficantes sobre uma população que na sua grande maioria é de trabalhadores de baixa renda. Os conteúdos dos noticiários mostram que as redações estão se limitando a publicar os relatos do sofrimento dos moradores e a solução apresentada para o problema pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB-RS). Essa abordagem limitada do problema dá ao nosso leitor a ideia de que os únicos atingidos são os 200 mil habitantes das 108 favelas existentes na Capital.  Não é assim. O problema afeta de maneira direta todos os moradores de Porto Alegre e indiretamente os gaúchos de todos os cantos do Estado. Como?

Antes de seguir com a história eu preciso dar duas explicações: a primeira é como chegamos ao problema. Em 2011, o então prefeito José Fortunati (PSB) assinou a lei que fundou o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf), que seria uma maneira de facilitar a contratação de pessoal, conforme as autoridades municipais da época. Os sindicatos dos servidores, no entanto, consideraram uma manobra para evitar o concurso público e entraram na Justiça pedindo a inconstitucionalidade da lei que criou o instituto. No último dia 12 de setembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que a lei é inconstitucional. O que significa que Marchezan terá 10 dias, a partir da data em que for notificado (até 10 de outubro não havia sido), para demitir os 1.849 funcionários do Imesf e dar baixa no CNPJ do instituto. Existem, em Porto Alegre, 140 postos de saúde, 77 formados exclusivamente com pessoal do instituto. Nos restantes, em 63 há profissionais do Imesf no quadro de funcionários. Esse é o problema.

A segunda explicação que devo ao leitor. Por que as redações estão publicando a história pela metade? É simples. Houve demissões em massa de jornalistas. Hoje, os repórteres das redações do Rio Grande do Sul, como de resto do Brasil, nunca tiveram um salário tão baixo e também uma carga de trabalho tão grande – eles fazem texto, áudio, fotos, vídeos e cumprem duas ou três pautas por dia. E a “cozinha das redações”, como se chama no jargão jornalístico o pessoal que revisa e publica as matérias, não tem como qualificar os conteúdos antes de colocá-los nos noticiários. A soma dessas duas explicações é o nosso pano de fundo. Voltemos à história.

Marchezan não tem como desobedecer à decisão do STF. Se fizer, perde o mandato e sai da prefeitura algemado pela Polícia Federal (PF). Ele prometeu que a população das vilas não vai ficar sem atendimento médico. Inclusive os técnicos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) falaram que os postos serão mais equipados. O que o prefeito e seus técnicos não entenderam: a urgência do assunto. Se o postinho fechar, o chefe do tráfico assume o lugar porque será na porta dele que os moradores vão bater em busca de ajuda. Hoje, com ou sem estrutura, o postinho representa a presença da prefeitura na vila. Sempre tem um funcionário para encaminhar o doente. O assistencialismo é uma maneira que os chefes de quadrilha utilizam para manter a fidelidade da população. Lembro que por muitos anos os bicheiros cariocas tiveram um grande poder nas favelas do Rio de Janeiro graças ao assistencialismo que faziam. Esse modelo de poder foi copiado pelos traficantes. Dentro desse quadro é fundamental que o prefeito Marchezan mantenha o postinho aberto e o funcionário que nele trabalha, até conseguir uma solução definitiva. Como ele vai fazer isso sem desrespeitar a ordem do STF é um problema que os advogados da prefeitura vão ter que resolver.

Se a prefeitura tentar solucionar o problema pelo lado mais fácil, demitindo e fechando postos, estará reforçando o poder dos chefes do tráfico de drogas. O que significa mais violência nas ruas da cidade. Nós, repórteres, precisamos nos superar na cobertura desse problema. Temos que conseguir falar com aquelas lideranças nas vilas que não gostam de aparecer no jornal, por vários motivos. Mas são elas que estão conversando com os moradores sobre o problema. Inclusive, elas têm algumas soluções alinhavadas.  Colegas, pensem na seguinte situação: tu és pobre, desempregado, com o filho doente e o postinho que existia no lado da tua casa fechou. O que tu vais fazer?

4 thoughts on “O fechamento do postinho de saúde nas vilas vai aumentar a violência em toda a Porto Alegre

  1. Ok. O jornalista está certo em tudo, mas por favor, se estão mal de profissionais para corrigir os textos, revisores,ele mesmo q o faça e corrija: ou coloca postinho entre aspas ( pois é como a população chama, já q tudo q recebem é depreciativo!) ou escreve o correto POSTO de SAÚDE. É nestes POSTOS q o pessoal do IMESF trabalha. “Postinho” é uma definição rasa e infeliz que o povo fala e vivemos corrigindo. Talvez assim os definam pq suas vidas já são tão depreciadas pelo poder público q acham q os postos dão pouco por sentirem-se pouco. Na verdade nada é tão ruim q não possa ficar pior…e vai ficar…muito pior sem os “postinhos”!

    1. Primeiro é uma honra de ter como leitora. Eu tenho 69 anos, 40 de profissão de repórter, e foi uma decisão minha usar o nome postinho. Nas palestra que faço para o meus colegas defendo que temos usar os nomes dados pela população. Obrigado.

      1. Muito interessante a sua reflexão! Sou enfermeira e hoje atendi uma senhora, com queixas muito vagas e perguntei-lhe o que mais estava acontecendo, e ela começou a chorar, fiquei atenta, esperei, perguntei se queria me falar sobre o que a atormentava e ela começou a contar do neto que criou até os 11 anos e aos 14 anos morreu com um tiro na cabeça. Uma criança abatida por traficantes. É com essa complexidade que trabalhamos na atenção básica de saúde, e somos capacitados como poucos para lidar com estas situações, para perceber o que está por trás das queixas de cada paciente. Os trabalhadores do IMESF tem esta expertise que não pode ser dispersadas com demissões.

        1. Eu tenho 69 anos, 40 como repórter e já vi coisas que até deus duvida que existam. O foco da minha carreira é a cobertura de conflitos (agrários, migrações, crime organizado e fronteira). Aprendi que uma pessoa com o teu conhecimento e dedicação trabalhando em região de conflito tem o seu peso avaliado em ouro. Ficou honrado com a tua leitura, obrigado.

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