A caneta de Bolsonaro é mais poderosa que a espada do comandante do Exército

Bolsonaro forma o “seu exército” dando canetaço. Foto: Reprodução

Ninguém sabe melhor como as coisas funcionam entre as quatro paredes do Exército do que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Nos quartéis, ele foi tenente e, após se envolver com problemas de disciplina, foi preso e depois reformado como capitão. Nos últimos 30 anos, construiu uma vida política ligada às famílias dos militares. Logo que assumiu o governo, em 2019, o presidente pisou macio com as Forças Armadas. Com o andar do tempo, descobriu o poder da caneta. É sobre esse assunto que quero conversar com os meus colegas, principalmente os jovens repórteres nas redações que estão na correria da cobertura do dia a dia.

A última canetada do presidente aconteceu no mês passado. Ele assinou a “portaria fura teto”. Em resumo, ela beneficia os militares que fazem parte do seu governo e que agora podem receber os seus soldos e mais o pagamento que ganham pelo cargo que exercem na administração civil federal, mesmo que a soma fique acima do teto constitucional, que é de R$ 39 mil e uns trocados, um bom dinheiro. A portaria beneficia em torno de mil funcionários. Entre eles generais e militares de outras patentes que ocupam cargos na administração federal. Por exemplo: o ministro da Defesa, general Braga Neto, embolsa R$ 62 mil, o ministro da Segurança Institucional, general Augusto Heleno, R$ 63 mil, e o chefe da Casa Civil, general Luiz Ramos, R$ 66 mil. Importante: a maioria dos militares ocupa cargos de chefia, o que significa um bom salário que agora será acrescido dos seus soldos do Exército. Uns dias depois da assinatura da “fura teto, o general-de-divisão da ativa do Exército e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello subiu no palanque eleitoral do presidente da República. O regulamento do Exército proíbe que militares da ativa participem de campanhas eleitorais. Nós jornalistas escrevemos que Pazuello seria punido e criaria um embaraço para o presidente da República. Lideranças civis e importantes setores das Forças Armadas também apostavam na punição do ex-ministro da Saúde.

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decidiu não punir Pazuello – há matérias disponíveis na internet. Publicamos várias hipóteses para o fato dele não ser sido punido, uma delas a de evitar tumultuar ainda mais o já conturbado cotidiano dos brasileiros devido à pandemia da Covid-19. Conversa fiada. O comandante do Exército perdeu os anéis para conservar os dedos, porque caso decidisse pela punição, seria humilhado e demitido pelo presidente da República, que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, como diz a Constituição. Hoje o Exército, a Força Aérea, a Marinha, a Polícia Federal (PF) e as polícias militares do Brasil estão sob ataque dos bolsonaristas, que procuram em suas fileiras seus simpatizantes. E os atraem para o seu lado com empregos no governo federal. Essa estratégia foi imensamente fortalecida pela “portaria fura teto”. Estima-se que existam na máquina administrativa federal 6 mil militares da ativa, reserva e reformados ocupando os cargos mais bem remunerados – ministros e chefes de departamentos. Meus colegas, justamente aqui vamos lembrar uma coisa. É do jogo que um partido, ao assumir um governo, seja federal, estadual ou municipal, coloque os seus quadros no comando da máquina administrativa. O que está acontecendo? A proposta de governo dos bolsonaristas têm como cerne a corrosão das instituições, tipo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), um golpe militar para manter no poder o atual presidente e outras coisas absurdas formuladas pelos apoiadores de Bolsonaro, que estão organizados em vários grupos, entre eles: nazistas, terraplanistas, ocultistas, neoliberais, oportunistas de todos os calibres e deputados do Centrão. Tudo que citei faz parte de processos no STF e na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, a CPI da Covid-19, que investiga a morte de 460 mil brasileiros pelo vírus. O que vou citar a seguir não é opinião ou qualquer outra especulação. São fatos que já publicamos.

Não há clareza sobre qual é o projeto bolsonarista para o Brasil. Entre as poucas certezas que se tem pode-se alinhar a de que existe a intenção de uma reformulação nos quadros de comando das Forças Armadas para que passem a agir conforme a interpretação da Constituição dada pelo presidente da República. Aos poucos os bolsonaristas estão colocando em postos-chave pessoas de confiança deles. É dentro desse quadro que devemos analisar a decisão do comandante do Exército de não punir Pazuello. Aqui temos que ver o seguinte. Não é a primeira vez que oficiais e graduados deixam de ser punidos. Isso aconteceu muitas vezes durante o governo militar (1964 a 1985). Qual é a diferença para os dias atuais? Na época não existia liberdade de imprensa. Portanto, a explicação que os generais dessem para opinião pública, por mais mentirosa que fosse, era publicada como verdadeira. Um exemplo: o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nas dependências do quartel-general do então II Exército, em São Paulo – há matérias na internet.

Hoje há liberdade de imprensa e o caso de Pazuello é o assunto do dia. Se tivesse sido punido, seria assunto de pé de página. O fato de ter saído impune garantiu a ele os espaços nobres nos grandes jornais e nos noticiários nacionais e regionais. Os conteúdos jornalísticos produzidos pelos colegas está bem diversificado, fundamentado e relevante para o leitor entender o significado do episódio. Fui consultado por colegas estrangeiros sobre o assunto. Como repórter, vi na história uma oportunidade de melhor entender o projeto dos bolsonaristas para o Brasil, que até agora é um amontoado de ideias confusas, exóticas e perigosas. Daí a importância de nós repórteres vasculharmos as entranhas dos fatos em busca do seu real significado. É por aí, colegas.

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