As cobaias da Prevent Senior foram uma operação dos generais de Bolsonaro?

As palavras da advogada Bruna na CPI da Covid foram esclarecedoras sobre os acontecimentos entre as quatro paredes da Senior. Foto: Reprodução

Alguém no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) coordenou uma operação ao estilo militar delirante para mostrar ao mundo que a ciência estava errada em relação ao tratamento da Covid-19 e que os brasileiros tinham descoberto a maneira correta, barata e eficaz de domar o vírus com o Kit Covid. Essa é uma das principais conclusões a que se chega analisando atentamente os dois depoimentos prestados perante a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, sobre o caso da operadora de saúde Prevent Senior ter transformado seus clientes em cobaias para testes clandestinos do Kid Covid. A versão da empresa foi dada pelo seu diretor executivo, Pedro Benedito Batista Júnior (22/09). A da acusação, pela advogada Bruna Morato (27/09), que representa um grupo de médicos e ex-funcionários da Senior que denunciaram os crimes cometidos contra pacientes e outras irregularidades em dossiê de mais de mil páginas.

Os pontos comuns das duas versões mostram que houve um perfeito casamento entre necessidades comerciais, sanitárias, políticas e econômicas que resultaram na absurda situação das cobaias da Senior, um escândalo sem precedentes na história brasileira. O interesse comercial nasceu na Prevent Senior, uma operadora paulista de saúde que tem 500 mil clientes e 10 mil funcionários e se especializou em atender pessoas com mais de 60 anos, e que iria à falência com a chegada da pandemia porque o principal alvo do vírus são os idosos. A necessidade veio do Gabinete Paralelo da Covid de municiar o presidente Bolsonaro com informações distorcidas da realidade sobre o vírus no seu combate à ciência. O interesse foi do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o governo não seguisse os conselhos da Organização Mundial da Saúde (OMS) de fechar o comércio, a indústria e outras atividades econômicas para evitar o alastramento do vírus. Como se fossem engrenagens fabricadas para se encaixarem perfeitamente uma na outra, todos esses interesses reunidos acabaram produzindo o horror descrito pela advogada Bruna, que resultou no uso de cobaias para testar o Kid Covid. O que o diretor executivo Batista Júnior nega que tenha acontecido. A CPI da Covid está investigando a história que os 590 mil mortos pelo vírus contam. E nessa história as cobaias da Senior são um capítulo importante.

Essas engrenagens só se acoplaram e funcionaram porque houve a omissão das agências reguladoras e fiscalizadoras das atividades dos planos de saúde e do exercício da profissão médica, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). Antes de seguir na história, eu vou dar duas explicações que considero importantes para quem não é jornalista ou ainda é repórter em início de carreira e está envolvido na cobertura do dia a dia nas redações. A primeira se refere ao Gabinete Paralelo. Usamos a expressão para designar um grupo de médicos, empresários e oportunistas de todos os quilates que gravitam ao redor do presidente Bolsonaro aconselhando-o nos assuntos referentes à Covid. A expressão foi cunhada pelo ex-ministro da Saúde e médico Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido em abril de 2020 – há matéria na internet. A segunda explicação se refere à OMS. Nos meses iniciais da pandemia, no começo de 2020, os técnicos da OMS recomendaram o uso de máscaras, o distanciamento social e o fechamento das atividades comerciais para evitar o avanço do vírus e com isso dar tempo para os sistemas de saúde se prepararem para receber os pacientes e apostar na descoberta de remédios contra a doença. Várias drogas foram testadas nessa época, inclusive a cloroquina, que faz parte do Kit Covid. Antes do meio do ano já se sabia que a cloroquina e as outras drogas do kit não faziam efeito e provocavam danos colaterais perigosos. E que já havia vacina a caminho. Dada as explicações, voltamos à história.

Bolsonaro foi para o pau com a OMS. Vendeu para a opinião pública a versão do Kit Covid e a prática da imunidade de rebanho. Os danos da versão do governo sobre o combate à Covid só não provocaram maiores problema graças ao papel da imprensa, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso. Vamos refletir sobre o assunto. Vivemos em 2021, quando defender o Kit Covid é o mesmo que não acreditar que o homem pisou na Lua. Podemos discutir o assunto sob o ponto de vista da especulação. Baseado nas informações científicas que temos hoje, é apostar na desinformação. Agora, há duas coisas que não estamos debatendo com o vigor que a situação merece. A primeira é como essa operação do kit foi estruturada e vendida para a população. Ela foi estruturada por uma mente treinada na vida militar. Por que faço essa afirmação? Pela maneira como foi montada. Os dados que os bolsonaristas usam para vender o seu peixe indicam fontes de consulta, como a experiência ilegal feita na Senior. Manipulando estatísticas, agregam a informações verdadeiras uma parte de fake news e noticiam como se verdade fosse. Existem no governo 6 mil militares, incluindo generais, isso significa que é grande a possibilidade de que toda essa história não tenha sido preparada como se fosse uma operação militar.

A segunda é a versão de Bolsonaro sobre a Covid sobre a qual precisamos refletir o seguinte. Toda a história é um delírio se olharmos com os olhos de 2021. Mas se olharmos com os olhos dos anos 30, na Alemanha, as coisas mudam. Por quê? Na época, os nazistas liderados por Adolf Hitler se infiltravam no governo alemão e assim que tomaram conta do poder começaram a vender para a população ideias absurdas sobre vários assuntos. Uma deles foi castrar pessoas fisicamente sadias, mas com problemas mentais. A segunda fase foi matar doentes mentais e pessoas com problemas físicos. E, por fim, os campos de concentração, onde milhares foram mortos. Isso tudo aconteceu porque os nazistas montaram uma máquina publicitária muito competente, que teve a sua vida facilitada pela severa censura à imprensa. Mesmo depois da destruição da Alemanha, na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), pelas tropas aliadas, ainda nos dias atuais há gente que acredita na propaganda nazista produzida nos anos 30. Aliás, são essas lembranças que mantêm o movimento neonazista vivo e forte. Eles estão por todos os cantos do mundo. Fizeram parte do governo do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano) e fazem parte do atual governo do Brasil. A história das cobaias da Prevent Senior foi fundamental para a montagem da versão de Bolsonaro sobre a pandemia.

Deixe uma resposta