As lambanças de Bolsonaro trouxeram relevância e lucros para a imprensa tradicional

A “boca de conflito” do Bolsonaro tem provocado grandes confusões. Foto: Reprodução

Os números estão aí à disposição a quem interessar. O número de assinantes aumentou ou se manteve estável nos jornais e seus sites. Os grandes anunciantes pararam de desaparecer e alguns voltaram a investir. Esse é o atual quadro das grandes empresas de comunicação do Brasil. Lembramos que, em 2019, quando assumiu o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), a situação do setor era muito séria. Os assinantes desapareciam às dezenas diariamente. Os anunciantes migravam para outras plataformas de notícias em busca de menor preço para os seus anúncios e de maior visibilidade. Lembro, e está registrado em reportagens publicadas, que logo que assumiu Bolsonaro disse que daria o tiro de misericórdia na imprensa tradicional. Repetiu o que vinha falando o seu ídolo, o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), que inaugurou o sistema de se comunicar com o país através das suas redes sociais e de chutar as canelas da imprensa tradicional americana. Na época, os jornais dos Estados Unidos reagiram às agressões e tiveram bons lucros. Trump perdeu a reeleição para o atual presidente, Joe Biden (democrata), e importantes jornais dos Estados Unidos tiveram uma queda no número de acessos aos seus sites.

No Brasil, o mandato de Bolsonaro está no meio e ainda tem muita água para rolar por debaixo da ponte. O último episódio que causou visualizações recordes nos sites dos jornais foi a tentativa de golpe militar. Na semana passada, o Estadão, um dos jornais mais tradicionais do país, deu uma matéria exclusiva denunciando que o ministro da Defesa, general da reserva Braga Netto, havia ameaçado os parlamentares que, caso não fosse ressuscitado o voto no papel, não teríamos as eleições de 2022. A tese do voto impresso é do presidente Bolsonaro. Considerada, até por muitos dos seus seguidores, como uma alucinação, porque as urnas eletrônicas brasileiras já operam há mais de três décadas sem problemas. Desde que assumiu o governo, em 2019, a administração Bolsonaro tem pulado de uma polêmica a outra e deixado em segundo plano os problemas nacionais. O caso mais absurdo é o negacionismo do presidente em relação ao poder de contágio e de letalidade da Covid, doença que já causou mais de 540 mil mortes do país. A gravidade da omissão governamental com a pandemia resultou na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, que apura as responsabilidades do governo no combate ao vírus. Em especial a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e cidades do interior do Pará que causou a morte por asfixia de muitos pacientes internos nos hospitais. A cobertura que a imprensa brasileira faz da pandemia é um trabalho jornalístico de alto nível que ganhou o respeito dos leitores. Os conteúdos jornalísticos dos noticiários são precisos. E colocam por terra as versões fantasiosas sobre os fatos disparadas pela “máquina de fake news” do governo federal.

Mas o que acontecerá com a imprensa tradicional do Brasil quando o mandato de Bolsonaro e a pandemia terminarem? Em um primeiro momento deverá acontecer uma diminuição do número de acessos aos sites, como aconteceu nos Estados Unidos. Tenho lido e conversado muito com estudiosos no assunto sobre o que vai acontecer. Um deles me chamou a atenção para o seguinte. Por conta da pandemia muita gente que não era um consumidor assíduo de notícias se interessou pelos noticiários. Ele continuará interessado? Daí vai depender de como os CEO (diretores-presidentes) das empresas vão tocar os negócios. Lembro o seguinte. Até 2019 a solução que os CEO apresentaram para solucionar a falta de dinheiro foi a demissão em massa de jornalistas, a união de várias redações em uma única e a mistura de assuntos de entretenimento (lazer, recreação e outros) com o jornalismo. O pilar de sustentação desse modelo de empresa de comunicação é um repórter jovem, mal pago e com uma carga de trabalho imensa – ele faz texto, áudio, vídeo e fotos. Esse modelo de redação funciona em um ambiente enlouquecido como o atual pelas lambanças do presidente da República, que geram uma imensa, diversificada e interessante fartura de notícias. Não funciona em um ambiente normal em que a redação precisa garimpar assuntos de interesse do leitor. Por quê? Para garimpar, a redação precisa ter uma estrutura de investigação jornalística, repórteres especializados (economia, crime organizado e pandemias) e também uma boa equipe de comentaristas. Os especialistas duvidam que as empresas de comunicação irão investir para preservar os ganhos de assinantes e visualizações que tiveram durante a pandemia.

A imprensa do interior do Brasil é um capítulo à parte nessa história. Os jornais, rádios, TVs e sites que souberam aproveitar a demanda por notícias locais durante a pandemia e investiram na sua estrutura, reforçando o número de repórteres, ampliaram o seu mercado. Aqueles, que foram a grande maioria, que se limitaram a copiar as notícias dos sites dos grandes jornais, deixaram passar uma boa oportunidade de se tornar relevantes para os seus leitores e anunciantes. Antes de terminar a nossa conversa. Lembro que tenho escrito que a minha geração de repórteres, nascida nos anos 70, se não conseguisse um emprego em um grande jornal enfrentava sérios problemas para continuar na profissão. Hoje não é mais assim, graças aos avanços da tecnologia. Um jovem sai da faculdade de jornalismo e monta o seu próprio negócio, vendendo as suas matérias para os jornais e outras publicações. Ou simplesmente cria um site ou uma rádio web e vai tocar a vida. Hoje o repórter tem opção de continuar ativo no mercado dependendo apenas de si. Falei com vários jovens que montaram os seus negócios e a maioria se saiu bem na pandemia. Um deles me falou que vendeu matéria para jornais e sites de fora do país. Para o desespero de Bolsonaro e Trump, o jornalismo sobreviveu.

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