Escândalos como o da Abin não deixam cair no esquecimento o nome de Bolsonaro

Qual é o tamanho do estoque de rebuliços deixados pelo ex-presidente? Foto: EBC

Na longa lista dos problemas que, vez ou outra, tiram o sono do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 68 anos, não consta a sua inelegibilidade de oito anos decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por quê? A maioria dos políticos se preocuparia com essa sentença, porque ela os colocaria fora da disputa política, enfrentando, com isso, o risco real de serem esquecidos pelos eleitores. Bolsonaro não corre esse risco enquanto houver um estoque de escândalos deixados pelo seu governo com potencial de virarem manchete nacional e ocuparem durante semanas as capas dos jornais e os espaços nobres dos noticiários de rádio, TV e demais plataformas de comunicação. O exemplo mais recente veio a público na quinta-feira (25/01). Conforme foi descoberto pela Polícia Federal (PF), de 2019 a 2021, por meio do uso do software israelense FirstMile, mais de 10 mil brasileiros, incluindo empresários, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares, juízes e promotores, foram alvos de espionagem ilegal feita pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). No centro dessa história está o ex-diretor da Abin, delegado da PF e deputado federal Alexandre Ramagem, 51 anos (PL-RJ).

Nos bastidores do círculo íntimo dos líderes políticos do ex-presidente, o debate nos dias atuais é se o escândalo irá beneficiar ou prejudicar a candidatura de Ramagem à prefeitura do Rio. Por tudo que temos publicado, a bronca é pesada e poderá custar o mandato e até a prisão do ex-diretor da Abin. Se ele se der mal, será mais um dos seguidores de Bolsonaro que ficará pelo caminho, como é o caso do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, um dos pilares do escândalo das joias presenteadas por governos estrangeiros ao Brasil que o ex-presidente mandou vender para ficar com o dinheiro – há matérias na internet. O que interessa é que, enquanto o escândalo da Abin estiver nas manchetes, ele vitamina a lembrança do ex-presidente, empurrando para o pé das páginas dos jornais e dos noticiários o dia a dia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 15 de novembro de 2022 fiz o post Esqueletos nos armários vão contar a história do governo Bolsonaro. Usei a expressão “esqueletos nos armários” no sentido de escândalos e, na ocasião, não me dei conta que também serviria para manter viva a presença de Bolsonaro. Quantos esqueletos restam no armário? Pela maneira como o país foi administrado, pode-se dizer sem medo de errar que ainda são muitos. Entre eles o relatório final de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid), que colocou as digitais do governo do ex-presidente na morte de 700 mil brasileiros pelo vírus – há matérias na internet. Esse relatório está dormindo nas gavetas oficiais. É intenção do novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, tocar o assunto para frente. Esse caso é grande demais para ser esquecido na gaveta.

Lembro os leitores e colegas repórteres de uma frase que Bolsonaro repetia sempre que tinha oportunidade durante as três décadas em que foi deputado federal pelo Rio de Janeiro: “Fale bem ou fale mal, mas fale de mim”. Também nós jornalistas aprendemos a duras penas como as coisas funcionavam entre as quatro paredes do governo Bolsonaro. Os problemas que não tinham solução imediata ficavam para depois. Mas não eram esquecidos. A história da inelegibilidade é um desses problemas. Existem dois projetos tramitando no Congresso com a intenção de derrubar a sentença do TSE. Um deles é do deputado gaúcho Ubiratan Sanderson (PL-RS) e o outro, do deputado Antônio Carlos Nicoletti (União-RR). As chances de darem certo são mínimas. Se aprovados no Congresso, Lula vetará. Se os parlamentares derrubarem o veto presidencial, o STF não deixará ir em frente por ser inconstitucional. Essa análise é feita por líderes bolsonaristas. A aposta de Bolsonaro para derrubar a sua inelegibilidade tem a cumplicidade do presidente do seu partido, o ex-deputado Valdemar da Costa Neto, 74 anos, um dos políticos mais experientes do Brasil na arte do jogo político. Apostam que o prestígio do ex-presidente ajudará a eleger os prefeitos de cidades importantes, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, e um bom número de vereadores pelo interior do Brasil. Prefeitos e vereadores serão importantes cabos eleitorais para a eleição de 2026, que elegerá o novo presidente da República, governadores e parlamentares. Isso significa que se a estratégia de Bolsonaro der certo, ele aumentará a sua influência política nas prefeituras, câmaras municipais e governos estaduais nas próximas duas eleições.

Os resultados das eleições municipais vão validar ou não essa estratégia de Bolsonaro. Até lá, o papel de Costa Neto é continuar pagando os salários mensais do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle, que em 2023 somaram mais de meio milhão de reais. Claro, o governo e os seus aliados mais próximos não estão assistindo às movimentações políticas do ex-presidente de braços cruzados. Uma das iniciativas foi mexer na comunicação social para dar mais visibilidade ao dia a dia do governo na disputa pelas manchetes dos noticiários. A imprensa não tem como ignorar os esqueletos encontrados nos armários do governo Bolsonaro. Como um escândalo do calibre do caso da Abin vai ficar fora das primeiras páginas? Não tem como. Na segunda-feira (29/01), o escândalo foi turbinado quando a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na casa e no escritório do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, um dos três filhos parlamentares do ex-presidente. Steven Bannon, ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), tem defendido publicamente que quanto mais escândalos pipocarem envolvendo um candidato, mais ele ficará fortalecido perante os eleitores. Trump tem sido um assíduo frequentador das manchetes. No início de novembro acontece a eleição presidencial americana. Tudo indica que Trump será o candidato dos republicanos contra o atual presidente, Joe Biden (democrata), que tentará a reeleição. Será uma oportunidade de testar a tese de Bannon sobre o efeito dos escândalos na primeira página. É esperar para ver.


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