Por que Bolsonaro ofende a mãe alheia e manda a imprensa “tomar no rabo”?

Um dia o presidente Bolsonaro vai ter que explicar os mais de 250 mil brasileiros mortos pela Covid – 19. Foto: Reprodução

Aprendi, sem querer, um truque para despertar a atenção de uma plateia que assiste a uma palestra noturna depois de acordar cedo e trabalhar durante todo o dia. Sempre tive muitos encontros com estudantes de jornalismo e repórteres pelas redações do interior do Brasil. Nessas conversas, por mais relevante que fosse o assunto, uma hora o sono chegava. E quando isso acontecia, o que eu fazia para manter o público atento? Contava pequenas histórias que tinham no seu conteúdo um palavrão e uma situação engraçada. É como jogar um balde de água fria numa pessoa sonolenta. Aprendi também que com esse público o que mais funciona é dar logo o recado inicial, contar a história com o palavrão e depois inverter a conversa. O palestrante começa a perguntar para a plateia. Muitas vezes me aconteceu de palestrar durante muito mais tempo do que o previsto e ainda no final rolar uma conversa no boteco. Não sou um palestrante profissional. Sou um velho repórter estradeiro que tem muitas histórias para contar. Vamos à conversa de hoje, sem truques. Vamos aos fatos.

Por que fiz esse nariz de cera? É simples. Nesses dois anos de governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aprendemos que ele tem um dom natural de chamar a atenção para a sua conversa. Lembram a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG), em 2016? Ele era deputado federal pelo Rio de Janeiro, e na hora de dar o seu voto homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o militar que torturou Dilma nos porões da Ditadura Militar (1964 a 1985). Ninguém lembra o que os outros deputados falaram, mas o ele disse todos recordam. Logo no início do ano, a imprensa publicou uma compra escandalosa de alguns milhões de picanha, leite condensado, chicletes, vinhos e uísques 12 anos pelas Forças Armadas. Durante um almoço em uma churrascaria em Brasília (DF), o presidente disse que o leite condensado era para a imprensa enfiar no rabo. No início da primeira semana de março, Bolsonaro afirmou que estava sendo pressionado a comprar vacinas contra a Covid-19. E ofendeu a mãe de quem o está pressionando.

O presidente Bolsonaro não tem conteúdo nas suas falas. Só distração, usando xingamentos e palavrões. Até agora o legado do governo é um monte de palavrões e um desempenho administrativo que beira à tragédia. O sonho do choque de neoliberalismo na economia prometido pelo ministro Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, se revelou um amontoado de ideias mal organizadas. É trágico o desempenho do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello como titular do Ministério da Saúde. Ele transformou o negacionismo do presidente da República em relação ao poder de contágio e a letalidade da Covid-19 em política de governo. O resultado: 250 mil mortes, centenas de milhares de contaminados, colapso no sistema de saúde público e privado em 12 capitais, incluindo Porto Alegre (RS). E a joia da coroa: o Brasil se transformou em um berçário de mutações da Covid-19 que estão ameaçando o mundo.

Qual o destino do governo Bolsonaro? Seja lá qual for, o certo é que seu legado serão os palavrões e as ofensas. O que restou é uma montanha de escombros que os futuros governos vão levar alguns anos para arrumar. Lembro-me que logo nos primeiros meses da pandemia o presidente da República elegeu o vírus como seu adversário político. E concentrou todas as suas forças para combatê-lo. Muito bem. O presidente foi derrotado. Inclusive quando lhe ofereceram a bala de prata, a vacina, para conter a expansão do vírus, ele virou as costas. Por quê? Ninguém sabe. Os meus colegas comentaristas políticos dizem que foi uma estratégia para ficar no centro das atenções. Conversei sobre o assunto com meus colegas que fazem cobertura de assuntos policiais, eles costumam ter uma visão muito prática das coisas porque no mundo deles “ou tu é bandido ou é mocinho”. Um velho repórter descreveu o presidente: “Ele é cabeça de lata”. É assim que se diz de uma pessoa que não tem ideias próprias. Alerto os meus colegas, em especial os jovens que estão na cobertura do dia a dia, que desde que Bolsonaro tomou posse nós procuramos nas entrelinhas das suas falas pistas que nos levem a entender o que exatamente ele pretende. Até agora a única coisa que temos certeza é que ele usa os seus filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo, para falar por ele. E que o único projeto de governo que ele tem é proteger a sua família.

O certo é o seguinte. O presidente Bolsonaro nunca teve um emprego tão gratificante como o atual. A ideia que se tem é que ele vive intensamente cada dia como se fosse o último. Pouco interessa o que acontece ao seu redor. A soma de fatores que o elegeram, como a Lava Jato, não existe mais. O que vem pela frente é desconhecido para ele. Mas há uma certeza, pelos menos é o que se deduz das suas falas: seja lá o que for, vai ser recebido com palavrões. Se não tivesse acontecido a epidemia, Bolsonaro iria para a história do Brasil como uma pessoa exótica que foi presidente da República, a exemplo de Jânio Quadros, que renunciou ao cargo seis meses depois de tomar posse, em agosto de 1961. A diferença é que Jânio passou para a história só como exótico. Bolsonaro tem uma pilha de 250 mil cadáveres de brasileiros mortos pela Covid-19 para explicar.

Deixe uma resposta