Na teoria, a aliança dos militares de Bolsonaro com o Centrão refundou o governo

Todos os homens do Bolsonaro: Rodrigo Pacheco (esquerda) e o Artur Lira (direita) apoiados pelo presidente e eleitos para o comando do Senado e da Câmara dos Deputados. Foto: Reprodução.

A primeira lição que nós jornalistas aprendemos sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é que não podemos fazer nenhuma previsão sobre o que vai acontecer no dia seguinte. Isso se aplica às eleições dos aliados de Bolsonaro para presidir a Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Na teoria, o governo conseguiu uma grande vitória, que foi a criação de uma base parlamentar de apoio, e de quebra garantiu o engavetamento dos 62 pedidos de impeachment do presidente que repousam na Câmara. Essa aliança entre militares e parlamentares lembra a que existia em 1964, quando as Forças Armadas deram o golpe de Estado e criaram a Aliança Renovadora Nacional (Arena), formada por parlamentares que davam sustentação política ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que abrigava a oposição consentida ao regime. O regime militar durou de 1964 a 1985 e o bipartidarismo sobreviveu até 1979, quando começou a abertura política e iniciou-se a redemocratização do país. O golpe foi apoiado, financiado e organizado pelos Estados Unidos.

É sobre as semelhanças e desigualdades entre 1964 e 2021 que quero conversar com os meus colegas, os jovens repórteres que estão na correria da cobertura do noticiário do dia a dia nas redações, cumprindo três a quatro pautas e sem tempo de pensar ou sequer verificar se o que lhe foi dito tem cabimento. Lembro que a grande massa de leitores é abastecida justamente pelo noticiário diário, que atualmente é o elo fraco na cadeia da informação devido ao sucateamento das grandes empresas de comunicação. E a máquina de fake news do governo vai tentar vender para o povão, nas entrelinhas das informações, a ideia da existência de uma aliança entre parlamentares e militares igual à de 1964. Por quê? Simples. No imaginário popular, as Forças Armadas são sinônimo de competência e honestidade e estão no governo. Mas não estão. Mesmo que Bolsonaro sempre tenha reforçado essa ideia e surfando nessa onda. Ele era tenente do Exército e foi reformado como capitão depois de uma lambança que fez no quartel – há matéria na internet. Vamos às diferenças. Os militares que deram o golpe em 1964 eram oficiais da ativa das Forças Armadas do Brasil – Marinha, Exército e Aeronáutica. Os militares de Bolsonaro, que hoje somam uma tropa de 6 mil empregados na administração federal, não pertencem às Forças Armadas. São da reserva, reformados e alguns da ativa que estão no governo por sua conta e risco e pelos gordos salários que recebem, principalmente os generais que ocupam cargos no primeiro escalão, como o ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello.

Os parlamentares da extinta Arena obedeciam ordens dos militares, que os recompensavam com cargos na administração federal e nas empresas estatais. E os puniam quando traíam o governo. Os parlamentares do Centrão não obedecem ordens, nem mesmo dos líderes dos seus partidos. E apoiarão o governo enquanto receberem cargos e emendas parlamentares. Outra diferença fundamental. O governo militar era ideológico, porque o mundo estava dividido pela Guerra Fria – a disputa liderada pelos Estados Unidos, capitalista, e a extinta União Soviética, comunista. No Brasil, as pessoas que eram contra o regime, principalmente as de esquerda, eram presas, torturadas e muitas foram mortas. Bolsonaro demoniza as esquerdas com o objetivo de reviver a Guerra Fria. Na verdade, seu único projeto de governo é proteger a sua família – há dezenas de matérias sobre o assunto na internet. A soma de todas essas contradições tornaram o governo Bolsonaro emocionalmente instável, já que tudo gira ao redor da figura do presidente, um homem que pela manhã pensa uma coisa, ao meio-dia, outra, e ao anoitecer, algo totalmente diferente. O resultado disso? A confusão em que o Brasil está hoje, principalmente no combate à pandemia causada pela Covid-19, uma doença altamente contagiosa e letal, que o presidente decidiu enfrentar adotando como política de governo o negacionismo, trazendo como consequência a falta de um programa de abastecimento de vacinas e até de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM), onde os pacientes estão morrendo asfixiados.

Portanto, a equação é a seguinte: os militares estão no governo pelos salários que ganham. Os parlamentares do Centrão, pelos cargos e empregos dos seus aliados nas empresas estatais. Todo esse pessoal gira ao redor de uma figura central, o presidente Bolsonaro, uma pessoa que age conforme os seus instintos, guiado por um aguçado faro para a sobrevivência política e econômica da sua família. Dentro dessa realidade, nós repórteres precisamos ficar com os pés no chão, longe das cascas de banana. Por quê? O nosso leitor precisa de informações exatas e bem escritas para poder organizar a vida da sua família. O cotidiano do brasileiro é simples: não tem vacina para todo mundo. As mortes e o contágio causados pelo vírus infernizam a vida das pessoas, amedrontadas com a perspectiva de que poderão ser a próxima vítima. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não consegue criar os empregos prometidos. E o que existe no horizonte dos brasileiros pode piorar ainda mais as coisas: uma greve de caminhoneiros e uma real ameaça do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de retaliar economicamente o Brasil caso o governo não cesse a destruição da Floresta Amazônica. O resto é teoria.

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