O que tira o sono do Bolsonaro não é o impeachment, é a acusação de genocida

A morte de pacientes da Covid – 19 asfixiados pela falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM) tem as digitais do presidente Bolsonaro. Foto: Reprodução.

Já nos tempos que os jornalistas escreviam as suas reportagens umedecendo a ponta de uma pena no tinteiro que a primeira lição que o foca aprendia na redação era que todo o governo mente. No livro A Primeira Vítima, sobre os correspondentes de guerra, escrito pelo jornalista Phillip Knigh, há uma frase que diz: “Na guerra, a primeira vítima é a verdade”. Claro, os repórteres, editores e colunistas políticos que cobrem dia a dia do governo do presidente Jair Bolsonaro não estão em uma guerra. Mas estão trabalhando com um governo hostil à liberdade de imprensa e que tem sob o seu comando uma máquina muito eficiente de fake news e um sistema de coleta de informação paralelo aos oficiais. Portanto, temos que ficar muito atentos a tudo que vem do governo, porque pode ser uma estratégia para desviar a nossa atenção do que realmente importa. E com essa desconfiança devemos analisar a briga entre Bolsonaro e seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão. A história ganhou os espaços nobres do noticiário na terça-feira (09/02). O presidente realizou uma reunião com os ministros e não convidou o vice, o homem que é responsável pelo Conselho da Amazônia, uma área que está sob os olhares de vários governos do mundo preocupados com a devastação da floresta, principalmente do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que substituiu na Casa Branca o republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro. Vamos aos fatos.

Antes, uma explicação para quem não é jornalista. Foca é o apelido que ganhavam nas redações os repórteres novatos recém-saídos das faculdades. Não sei quem inventou o apelido. Só sei que, quando comecei a trabalhar em redação, em 1979, ele já existia há muito tempo. Seguindo com a história. Recentemente, o presidente teve dois desentendimentos com o vice. O primeiro foi no final de janeiro. Em uma entrevista para a Rede Bandeirantes, Mourão disse que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, seria demitido na reforma ministerial. Bolsonaro reagiu. Disse que ele era o presidente e era quem contratava e demitia. Sugeriu ao vice que se elegesse presidente para ter esse direito. Na primeira semana de fevereiro, um assessor de Mourão, Ricardo Roesch Morato Filho, virou matéria do site Antagonista ao se ser flagrado em uma conversa com um deputado a respeito do impeachment de Bolsonaro e sua substituição por Mourão. O assessor foi demitido. Por conta disso tudo, o presidente teria colocado o vice na “geladeira”. E com isso ganhou generosos espaços nos noticiários.

Não é só uma briga do presidente com o seu vice. É o atual contexto do governo. Os deputados do Centrão estão apoiando Bolsonaro em troca de cargos que são ocupados por 6 mil militares, incluindo generais. Teoricamente, o presidente não precisa mais dos militares para se garantir no governo. Logo, Mourão está perdendo a importância e se tornando um estorvo para o presidente. Agora ele tem os parlamentares do Centrão, que deram uma demonstração de força elegendo homens de confiança de Bolsonaro para as presidências da Câmara dos Deputados (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco). Portanto, muito embora existam 62 ações na Câmara pedindo o impeachment do presidente, ele não tem por que se preocupar. Por quê? Simples. Tem o apoio dos deputados e senadores do Centrão e os presidentes da Câmara e do Senado são seus homens de confiança. E acrescente-se o fato de que a pandemia causada pela Covid impede manifestações de rua. Essa é a lógica das coisas. Por que então o presidente está valorizando a briga com o vice? Por que o maior temor do Bolsonaro é com uma ação de acusação de genocida no Tribunal Internacional de Justiça ou na Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Por ter tornando política de governo o negacionismo em relação à Covid-19. Essa decisão, que é colocada em prática pelo ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazzuelo, é responsável por parte da 230 mil mortes de brasileiros provocadas pelo vírus. Pela morte por asfixia, devido à falta oxigênio, das vítimas do vírus nos hospitais de Manaus (AM) e no interior do Pará. Pela colocação na rede pública de saúde de um kit de medicamentos, entre eles a cloroquina, recomendado para uso contra o vírus, mas sem eficiência científica comprovada. E ainda pela política ambiental do governo, responsável por incentivar a invasão de garimpeiros nas áreas indígenas e a de madeireiros clandestinos na Floresta Amazônica.

Uma ação de genocida contra o presidente Bolsonaro em um desses órgãos internacionais pode desencadear uma rede de acontecimentos ao redor do mundo, como ser declarado persona non grata em vários países. E pode comprometer a carreira política dele e dos seus filhos, Eduardo, deputado federal por São Paulo, Carlos, vereador do Rio, e Flávio, senador do Rio de Janeiro. O presidente Bolsonaro colecionou um grupo de pessoas poderosas ao redor do mundo que foram ofendidas por ele, como os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, da França, Emmanuel Macron, e da China, Xi Jinping, além da direção da Organização Mundial da Saúde (OMS). O presidente do Brasil semeou ventos pelo mundo, seguindo as teorias da conspiração do seu ídolo Trump. Agora vai colher tempestade, como diz um antigo dito popular no interior do Rio Grande do Sul.

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