Por que os evangélicos pobres estavam ausentes nas manifestações bolsonaristas?

Desconhecimento da imprensa sobre os evangélicos confunde o leitor. Foto: Reprodução

Como todo mundo, os evangélicos que apoiam o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), colocam gasolina nos seus carros, compram gás de cozinha, vão a supermercados, têm boletos para pagar e alguém na família procurando emprego. Portanto, sabem que os preços estão subindo como um foguete devido à inflação – por exemplo, o botijão de gás de 13 quilos já custa mais de R$ 100. E que, além da inflação e do desemprego, também preocupa o ritmo conta-gotas da vacinação contra a Covid-19, que não é só uma ameaça para a vida como um dos fatores responsáveis pela paralisia na economia. E o que os jornais estão noticiando sobre os evangélicos e Bolsonaro? Estão focados nos pastores, que pressionam o presidente pelo avanço das pautas de costumes. É sobre esse assunto que vamos conversar.

Realmente há pastores aliados a Bolsonaro preocupados com a lentidão com que avança a pauta dos costumes. Como Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória, conhecido pelo discurso de ódio às minorias nas suas pregações na TV. E Edir Macedo, da Igreja Universal e também do Grupo Record (TVs, rádios e jornais). Mas a grande massa de evangélicos, principalmente os neopentecostais, são trabalhadores de baixa renda, portanto se preocupam com os problemas que afligem a maioria dos brasileiros, como o desemprego. A imprensa precisa começar a conversar com eles para saber o que estão pensando da situação. Na semana passada tive uma conversa longa com um pastor de uma igreja neopentecostal que conheço há duas décadas e alguns anos. A igreja dele fica em uma favela por onde faço um atalho para deixar a minha filha na escola, na zona sul de Porto Alegre (RS). Nos últimos quatro meses notei que em vários casebres começaram a surgir canos de fogão de lenha. E pela manhã era possível ver a fumaça formar uma espécie de nuvem de baixa altitude, como ocorria antigamente, quando os fogões a gás eram raros por serem “coisa de rico”. Ouvi do pastor que a maioria da juventude que mora entre os crentes está desempregada porque trabalhava no pequeno comércio, que fechou as portas. “A falta de trabalho para os jovens na vila (favela) é complicada porque os pais perdem o controle e eles começam a se envolver com o que não devem”, disse o pastor.

Também conversei com os meus colegas repórteres de outros estados sobre os evangélicos pobres que apoiam Bolsonaro. A ideia geral que temos é que os trabalhadores de baixa renda estão se afastando do presidente porque problemas como desemprego e inflação estão tornando complicada a vida deles. Aqui vou fazer uma parada na história para acrescentar uma informação que considero importante. Vou citar uns números, de fontes oficiais, apenas para facilitar a conversa. Voltando à história. Vejamos: os organizadores das manifestações bolsonaristas do Dia da Independência acreditavam que conseguiram colocar 1 milhão de pessoas no ato em Brasília. Colocaram 400 mil, segundo a Polícia Militar. Em São Paulo, a previsão era 2 milhões de manifestantes. Foram 102 mil, informações da Polícia Militar. O que aconteceu? Há muitas explicações. Mas uma delas diz respeito aos evangélicos, que correspondem a pelo menos 30% dos “apoiadores raiz” do presidente da República. Muitos não foram às manifestações porque não tinham dinheiro e também por não acreditarem que a presença deles mudaria alguma coisa em suas vidas, explicou um colega de São Paulo. Tenho lido tudo que se publicou sobre a presença dos evangélicos na base de apoio do governo Bolsonaro. Lembro que faz parte do modo de agir das redações dos jornais o uso de uma única palavra para descrever uma situação como se ela fosse um fato único. Não é, na maioria das vezes. E essa maneira de informar acaba confundindo o leitor. Os evangélicos são divididos em denominações diferentes formadas de pessoas ricas, classe média e pobres. Uma coisa é o andar de cima, onde estão Malafaia, Edir Macedo os ministros evangélicos do governo, que somam seis, entre eles a pastora pentecostal Damares Alves (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), o luterano Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência Social), Marcelo Álvaro Antônio, da Igreja Cristã Aranata (ex-ministro do Turismo), e André Mendonça, pastor presbiteriano (ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo e indicado pelo presidente à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal). Outra coisa é o andar de baixo, onde estão os trabalhadores de baixa renda que são a grande massa dos evangélicos, principalmente entre os neopentecostais.

Conheço bem a questão dos evangélicos porque um dos focos da minha carreira de repórter foram os conflitos agrários e por conta disso sempre viajei muito pelos rincões do Brasil. Na  década de 70 fiz muitas reportagens sobre a instalação das igrejas neopentecostais em regiões pobres do interior e nas favelas das cidades grandes. No início, existia entre nós jornalistas a conversa de que eles haviam sido enviados ao Brasil pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos com a finalidade de combater os religiosos seguidores da Teologia da Libertação, que defendiam a luta pela terra e a organização popular. Lembro-me que na época o mundo vivia a Guerra Fria, que tinha de um lado os Estados Unidos, capitalista, e do outro a União Soviética, socialista. E por conta disso as ditaduras militares proliferam na América do Sul. No Brasil, os militares governaram o país de 1964 a 1985. A Guerra Fria acabou, as ditaduras militares desapareceram e os evangélicos, em especial os neopentecostais, se consolidaram e cresceram. Arrematando a nossa conversa. Uma coisa são os pastores evangélicos e os seus acordos com o governo Bolsonaro. Outra coisa são os trabalhadores de baixa renda que sofrem com o caos do governo como qualquer outro brasileiro.

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