A reinvenção do repórter

Repórter e fotógrafo de cada lado de uma placa de sinalização verde com os dizeres Naviraí Dourados e uma seta para a esquerda, e Mundo Novo divisa Mato Grosso do Sul / Paraná, com uma seta apontando para a direita.
Nas lidas reporteiras passei dezenas de vezes pela placa rumando para as terras ao norte do Rio Uruguai em busca de histórias para contar. É bom ver ela continua lá indicando que as histórias não acabaram. Foto: arquivo pessoal

Poucas coisas são mais revigorantes para um repórter do que uma longa viagem pelas estradas. Uma oportunidade de rever pessoas e conhecer gente nova. Foi isso que fiz na segunda quinzena de janeiro: rodei uns 5 mil quilômetros pelo norte do Rio Grande do Sul, pelo oeste catarinense e paranaense e no Meio Oeste por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Acompanhando pelo fotógrafo Emílio Pedroso. Fui tratar de um tema que particularmente gosto muito, que é migração. No caso, fui coletar material para um livro-reportagem em que estou trabalhando, chamado de “Pai para filho”.

Saímos de Porto Alegre e rodamos até Primavera do Leste, em Mato Grosso. Foi a minha primeira grande viagem desde que sai da redação de Zero Hora, em 2014. Na primeira entrevista que fiz, eu ouvi a seguinte frase de um colono: “sabia que o leite vai subir diariamente?” Respondi que não e acrescentei a pergunta: “aconteceu o mesmo que houve com os preços dos combustíveis, que foram ajustados aos mercados internacionais, que oscilam diariamente? Ele respondeu que não e disse: “o governador eleito chama-se Eduardo  Leite e vai subir todos os dias as escadas do Piratini”. Imagine eu, um velho repórter de 68 anos e muitos quilômetros rodados, pagando mico. Coisas da vida. Na verdade, a piada serviu para esconder o maior problema que eu pensava que teria. Uma coisa é chegar para entrevistar uma pessoa com um carro com logotipo do jornal e sendo o repórter da Zero Hora, ou qualquer outro grande meio de comunicação. Outra coisa é ter que explicar quem é, no meu caso repórter da CW Jornal, nome fantasia de uma empresa que criei e registrei para ter cartão de visita e o meu bloque carloswagner.jorn.br – Histórias mal contadas. Mais ainda: o carro alugado tinha placas de Minas Gerais. Era muita coisa para explicar.

No meio da explicação, eu disse para o entrevistado que era o autor do livro ‘Brasil de Bombachas’ (duas edições, uma 1995 e outra em 2011). Logo que falei o nome do livro, o entrevistado disse que já tinha ouvido falar e lembrou da música dos Monarcas, Brasil de Bombachas, que surgiu logo depois que lancei o primeiro livro, em 1995. Respondi: “sou eu mesmo”. Foi um alívio. A partir dessa conversa, comecei a me apresentar para os entrevistados como repórter Carlos Wagner, o autor do livro ‘Brasil de Bombachas’. Aqui lembro o seguinte. Em 1979, quando comecei a trabalhar em redação, recebi um conselho do repórter André Pereira, um dos profissionais mais completos que conheço, sobre a importância de publicar livros. Publiquei 17 livros, um deles foi em parceria com o seu  Pereira: ‘Monges Barbudos & O Massacre do Fundão’.

Dali para a frente, a conversa com os entrevistados ficou mais  “leve”. Inclusive ficou mais fácil de explicar que estava fazendo um livro-reportagem. E que já havia estado lá em 1995 e 2011 e, com isso, envolver a pessoa na conversa sobre o que mudou nesse tempo. Ter informações desse tipo dá mais segurança para o repórter fazer entrevistas e mais consistência na hora de redigir a matéria. Uma surpresa agradável que tive. Emílio chamou a atenção que, na rodovia que corta Mato Grosso do Sul e Mato Grosso ao meio, o sinal de celular e internet pega o tempo todo. O mesmo não acontece no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Uma explicação para o funcionamento do sinal de celular e de internet é que as rodovias são pedagiadas  e tem mecanismo de controle de velocidade operado por câmera de vigilância. Na época em que trabalhei em redação (1979 a 2014), era comum o repórter ficar na mesma empresa por alguns bons anos. E, com isso, acabar ficar conhecido como o fulano de tal da empresa xis. Claro, isso facilita a vida do entrevistado por saber com quem está falando. Mas dificulta a vida do repórter quando ele sai e vai para o mundo em busca de boas histórias para contar. A minha próxima grande viagem já tem destino: fronteira do Brasil com o Paraguai. Vou como o repórter que escreveu o livro País – Bandido publicado em 2003. As histórias continuam soltas por aí a nossa espera. Uma delas é o caso da contadora Sandra Trentin desaparecida no início do ano em Palmeira das Missões e encontrada enterra em uma cova rasa é uma história que precisa ser esclarecida e contada.  

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